segunda-feira, janeiro 7

O virar de página


As reformas necessárias na administração pública não foram feitas em tempo útil, os anteriores governos nunca levaram muito a sério a necessidade da redução do deficit orçamental por óbvios imperativos eleitoralistas, e ao longo de uma caminhada de cerca de trinta anos, pontuada quer pelo desapertar ou pelo apertar do cinto, eis-nos chegados a um ponto em que o país se vê confrontado com uma situação de “mata ou morre”.
O senhor Presidente da República no seu discurso de ano novo, fez uma chamada de atenção para a assimetria existente entre os «rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas face aos salários médios dos seus trabalhadores», tendo sido alvo de muitas criticas, inclusivamente de a linha de conteúdo do seu discurso se encontrar ideologicamente posicionada à esquerda, o que, tendo ele sido eleito pela maioria das intenções de voto do centro-direita, só denotaria contra-senso.
Este último argumento é facilmente rebatível se atendermos ao facto de que o Presidente da República desde que eleito, funciona ou deverá funcionar, como uma espécie de entidade reguladora da acção governativa. No mínimo, a todos aqueles que lhes interessa a estabilidade política, deveriam congratular-se pelo facto de o desagrado manifestado pelo senhor presidente quanto aos efeitos práticos de certas medidas tomadas pelo governo, ao abrigo do seu programa de reformas, se circunscrever unicamente ao plano da retórica discursiva e não se estender à não ratificação peremptória de certos diplomas aprovados em assembleia, protegidos que ainda estão pelo emblema da “cooperação estratégica” que tem vindo a alimentar esta espécie de “amitié amoureuse” entre o governo e a presidência da República.
Quanto à questão da discrepância entre os rendimentos auferidos pelas diferentes classes sociais no activo, só prova que o nosso país está mais próximo de uma América Latina do que propriamente de uma União Europeia, da qual faz parte. O que faz com que trabalhadores no activo com formação académica ao nível da licenciatura aufiram pouco mais do que o salário mínimo, é o facto de a oferta ser bastante superior à procura. Se atendermos ao facto de o elevado índice da oferta estar em relação directa com o baixo índice da procura, chegamos à conclusão que existe no nosso país uma tendência para a política do desinvestimento, por parte dos empresários que detêm os meios para ajudar a fazer crescer a nossa economia. Se igualmente atendermos a que esses mesmos empresários são os agentes económicos que têm vindo a beneficiar do apoio do Estado quer directa ou indirectamente através de financiamentos a fundo perdido ou negociados com taxas de juro bastante reduzidas, então a conclusão a tirar é a de que esses mesmos empresários são nocivos ao desenvolvimento da nossa economia, uma vez que não são geradores de riqueza em toda a sua amplitude, dado que aplicam as mais-valias obtidas, neles próprios (potenciais contribuidores para o aumento da taxa de inflação), não reinvestindo os seus lucros em novos meios geradores de riqueza para o país, ao mesmo tempo, criando mais postos de trabalho e assim, ajudando a reduzir a elevada taxa de desemprego.
Não será a altura de o governo começar a impor regras nos apoios que concede ao actual tecido empresarial português? Não será a altura de o governo começar a privilegiar outras camadas da sociedade tão ou mais capazes do que as que fazem parte das actuais clientelas partidárias, projectos de empresários alavancados em organizações do tipo “opus dei”, “maçonaria” ou outras agremiações clubísticas cuja natureza é tão misteriosa como os fins que se propõem atingir?
Este é, pois, para mim o contexto essencial em que se insere a mensagem do senhor presidente, e não naquela velha máxima já tão gasta e arcaizada do “tirar aos ricos para dar aos pobres”, expressão à qual tentaram colar a polémica passagem do referido discurso.

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