domingo, janeiro 20

Défice democrático


Comparo a nossa democracia à existência precária de um albatroz. Sem termos conseguido mudar as regras do jogo, a nossa democracia coexiste na base de um poder paralelo que se impôs no Estado Novo e que se tem vindo a afirmar, ao ir cimentando a sua influência junto do poder institucional, do poder corporativo e, porque não, também junto de alguma “sociedade civil” que nada quer ter a ver com a política, mas que vai hostilizando os nossos governantes ao ponto de lhes toldar a razão, a liberdade de movimentos e a própria noção que eles têm da realidade. A passada semana foi particularmente fértil em inéditos alimentados pela acção governativa, que nos faz pensar se o presente executivo está a ir por bom caminho em algumas das frentes de acção que se propôs instituir e que combinam com os ataques cirúrgicos a que temos vindo a assistir nos últimos dias, nomeadamente no que diz respeito à política da saúde.

O encerramento compulsivo de um grande número de unidades hospitalares, centros de saúde e maternidades, fará parte de uma política de reforma do sector da saúde devidamente fundamentada em estudos que se tenham debruçado não unicamente na vertente economicista do problema, mas também na social?

As medidas a serem levadas à prática e vaticinadas pelos respectivos estudos, terão salvaguardado as posições dos vários agentes envolvidos, desde logo os médicos e o pessoal hospitalar, já para não falar dos utentes que a esses não se lhes dá voz activa?

Será que os hospitais centrais concelhios ou distritais têm capacidade física, operativa e humana para responder, em condições mínimas aceitáveis, ao enorme afluxo de doentes que, entretanto, começaram a assomar às suas instalações?

E qual é o papel da actividade empresarial privada na oferta de serviços de saúde às populações do interior: traduzir-se-à por “quem pode pagar vive, quem não pode pagar morre”?

E por último, o governo a viver em autêntico estado de deslumbre, caucionado pelo poder que lhe foi conferido pela maioria absoluta, terá ideia das repercussões que poderão resultar da aplicação desta política? Outro acontecimento inédito foi a audição do senhor governador do Banco de Portugal em sede de comissão parlamentar, sobre as irregularidades no BCP. Protegido pelo segredo profissional pouco ou nada esclareceu os seus inquiridores, tendo saído com um sorriso nos lábios de “dever cumprido”, naturalmente escudado pelas “costas quentes” do poder institucional. A tudo isto vamos assistindo pacificamente, debaixo de uma ou outra ameaça de um eventual ataque terrorista, qual cereja destinada a dar cor ao bolo da incerteza da nossa própria sobrevivência em condições mínimas de dignidade e respeitabilidade, por parte dos poderes políticos que nos governam.

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