quinta-feira, julho 3

A ética republicana


Num destes últimas dias fui apelidada de imoral e de desconhecer o significado da expressão «ética republicana» numa Repartição de Finanças do 5º Bairro Fiscal de Lisboa, só porque não concordei que um “colarinho branco” passasse à minha frente na fila de atendimento do guichet da tesouraria, porque tinha perdido a sua vez, por estar ausente quando chegou o seu número de atendimento.
Presumo que tenha sido a mesma «ética republicana» que levou a magistratura portuguesa a condenar a sete anos de cadeia um adulto acusado de maus tratos a uma criança de dois anos de idade que, nas condições em que ficou – cega, surda e tetraplégica – irá permanecer para sempre indefesa, dependente da boa ou da má vontade da sociedade que a gerou, que a viu nascer, que a sentenciou a uma vida de infortúnio, sem que, para o efeito, tenha podido ser consultada. Não existem mecanismos na nossa sociedade que se destinem a minorar estragos de tamanha gravidade, e, ainda assim, a magistratura portuguesa que se pretende «eticamente responsável», leva em conta o arrependimento do réu – que ousou colocar a máscara que lhe garantirá uns bons anos de liberdade com a consciência tranquila, após ter praticado o mais hediondo dos crimes. A morte teria sido preferível…
Numa outra dimensão, juízes são agredidos fisicamente e recusam-se a prosseguir com as suas obrigações jurisdicionais, alegando falta de condições de trabalho, como se essa fosse a única saída para este tipo de incidentes…
A avaliar pelas decisões judiciais que determinam uma tipologia de sentença light, agora muito em moda, conforme mandam os bons preceitos da «ética república», é de esperar, com toda a legitimidade, o ressurgimento de novas sublevações do poder popular, se a lei continuar, alegadamente, a não ser aplicada de uma forma justa e equitativa.
A Vale e Azevedo esperam-lhe mais doze anos de cadeia, apesar de não ter deixado ninguém cego, surdo ou tetraplégico. Apesar de, provavelmente, possuir meios financeiros que lhe permitam ressarcir as vítimas no processo Dantas da Cunha; os restantes não passarão alegadamente de circos muito bem montados, alimentados pelo “amor à camisola”. Mas a magistratura de influência aqui fala mais alto, assim como fala mais alto para todos os "crimes de colarinho branco" que nunca vão a julgamento porque beneficiam de impunidade, figura jurídica que eles próprios ajudaram a construir.
E já agora, o que pensa o Sr. Procurador-Geral da República do caso que envolve a criança vítima de maus tratos?
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terça-feira, junho 24

Deixar o governo trabalhar


O partido social-democrata e o partido socialista deixaram de ter uma matriz ideológica.
O partido socialista, após chegado ao governo, foi forçado a colocar o socialismo na gaveta e a começar a pôr em prática aquelas a que, ardilosamente, os seus adversários chamam de políticas de direita e que não são mais do que as políticas possíveis e inevitáveis no actual contexto internacional.
Após ter a nossa economia rapidamente atingido o ground zero de todas as estatísticas possíveis e imaginárias, apontando para um crescimento tendencialmente regressivo, motivado pelas políticas sociais aplicadas sob a égide de uma filosofia de governação traduzida no Estado providencial, o governo chegou à conclusão que a economia começava a atingir o ponto da asfixia e que, com uma sobrecarga fiscal digna de um país do terceiro mundo, nomeadamente no que diz respeito ao Imposto sobre o Valor Acrescentado - em que no período de duas curtas legislaturas passou de 17 para 21 % - não seria possível recorrer a novas práticas de aumento dos impostos, perfeitamente incomportáveis do ponto de vista do contribuinte.
Houve que reduzir o défice público através da racionalização das despesas do Estado, sobretudo através da optimização do sistema de gestão dos sectores da saúde, da educação e da Segurança Social. Este governo socialista tem desenvolvido um trabalho louvável em várias frentes, passando por cima dos interesses dos poderes instalados, pequenos e grandes, que se tinham vindo a habituar a “dar as cartas”, através do tráfico de influência e/ou manipulação, exercidos sobre os governantes. Todos os dias somos confrontados sobre a veracidade destes factos, através dos meios de comunicação social que nos vão revelando os vícios que se instalaram junto de alguma classe política e instituições, no que diz respeito à utilização dos cargos públicos para proveito próprio, incluindo o dos próprios partidos.
O PSD passou do neo-liberalismo populista para uma social-democracia em que o Estado volta a assumir um papel intervencionista na economia, passando à já por nós bem conhecida programação pesada de um projecto político de governação alicerçado na contenção do investimento público – absolutamente necessário ao desenvolvimento futuro do país como ponto de partida para uma economia mais madura, menos dependente –, em nome de novos planos de ajuda aos designados "novos pobres", e consequentemente, na manutenção da sobrecarga fiscal que nos atrofia enquanto cidadãos livres, condicionando os nossos movimentos, a faculdade da nossa iniciativa privada, no que aos projectos empresariais diz respeito.
Com esta programação pesada objectivamente destinada a servir os pequenos, grandes interesses do poder corporativo no nosso país, a social-democracia de Ferreira Leite não passa de um "cavaquismo" reeditado, fora de moda ou de contexto, cheirando a naftalina, apesar do seu já elevado estado de deterioração motivado pela acção da traça.
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segunda-feira, junho 23

A curva ascendente da trajectória política de Passos Coelho



A intervenção de Passos Coelho no Congresso do PSD foi brilhante, porquanto clara, assertiva e desafiadora, levando a sua “adversária” política a revelar-nos um pouco mais daquilo que os cidadãos portugueses gostariam de saber sobre o seu projecto político para as próximas legislativas.
Tocou num ponto fulcral que define claramente a sua estratégia política em relação ao futuro do país e, consequentemente, dos portugueses, traduzida numa prática involutiva de desaceleração da economia através do reforço das políticas sociais, necessariamente pela via da incrementação da política da subsidiação por parte do Estado, necessariamente pela via do aumento da carga fiscal a ser suportado pelos contribuintes.
Passos Coelho falou à razão através do coração, de improviso, sem receio de se deixar “apanhar” na encruzilhada das entrelinhas deixadas em aberto pelas linhas que, de uma forma muito transparente, orientaram o seu discurso. Mostrou ser o único militante do PSD capaz de protagonizar a mudança, através de um projecto próprio, cujos fundamentos assentam numa linha programática renovada e renovadora , em consonância com as directivas comunitárias que se farão aplicar com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, o qual encontrou tão veemente oposição por parte de alguns dos apoiantes da actual líder do PSD.
A trajectória política em curva ascendente de Passos Coelho foi hoje confirmada pelos delegados ao Congresso que não só confirmaram o resultado obtido nas eleições directas, como o beneficiaram, através da eleição de 16 representantes da sua lista para o Conselho Nacional do partido, contra os 20 membros eleitos pela lista de Ferreira Leite.
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quinta-feira, junho 19

Sound bites



Gostei particularmente desta frase, escrita por um militante social-democrata, que ainda há bem pouco tempo apoiou oficialmente a candidatura de Pedro Passos Coelho à liderança do PSD, através de um blogue criado para o efeito, “O Futuro é Agora”.

«Não consigo imaginar nenhum estado de necessidade patriótica que me levasse a concordar com um
Bloco Central em que o PSD não fosse o partido liderante.»

Esta declaração refere-se a uma notícia do Público, em que Marcelo Rebelo de Sousa lança uns soundbytes sobre uma eventual coligação do PS com o PSD para as próximas eleições, baseado numa afirmação de Manuela Ferreira Leite em que esta "admite que a situação do país poderia impor acordos de regime" entre social-democratas e socialistas, naturalmente. Aliás, esta opinião não é inédita; sempre foi a visão partilhada por Cavaco Silva, sobretudo na época conturbada do partido, então presidido por Marques Mendes e que só muito a custo aceitou participar nas conversações que levaram à assinatura do Pacto para a Justiça, mais tarde denunciado pela liderança que lhe sucedeu. Aliás, chego até a pensar que Marques Mendes foi medalhado no 10 de Junho, talvez mais por demérito do que propriamente pelos serviços que prestou ao país. As condecorações do 10 de Junho abriram, assim, novo precedente: a condecoração a título de prémio de consolação.
Mas, ainda voltando à declaração feita por
Vasco Campilho, pergunto-me e não consigo chegar a uma conclusão: porque é que este ilustre militante do PSD – e como este muitos outros - acha que o seu partido deveria liderar uma eventual coligação entre o PS e o PSD, num Bloco Central (de interesses) revisitado, quando o futuro do sentido de voto aponta claramente para uma nova maioria do partido socialista ou perto disso.
Não há dúvida que os estrategas do PSD tudo têm feito para limpar a imagem do partido dos recentes fracassos, que tiveram início com o abandono de Durão Barroso e, posteriormente, com a recondução de Santana Lopes na liderança do partido, em quem foi depositada toda a confiança para de novo se recandidatar ao lugar de primeiro-ministro.
Esta questão, e muitas outras da mesma natureza, daria matéria para uma tese de um qualquer doutorando em ciência política ou simplesmente versada sobre o estudo do comportamento humano à luz da psicologia e da sociologia dos costumes.

terça-feira, junho 17

A arte da guerra na versão social-democrata


“Não se deve esperar que as mulheres só pensem na política 24 horas por dia. São mais capazes de acumular tarefas e ocupações do que os homens”.
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Esta é uma frase de Manuela Ferreira Leite dita numa entrevista ao “Diário Económico” de hoje, e que ilustra bem a sua disponibilidade em relação ao partido e ao país. As actuais Ministras da Educação e da Saúde é que hão-de ficar estupefactas perante estas afirmações vindas de uma profissional da política que aspira a vir ocupar o cargo de Primeira-Ministra, dentro de muito pouco tempo. Ou não será assim?
No passado domingo, Marcelo Rebelo de Sousa, na sua habitual crónica semanal no canal público de televisão, ousou levantar o véu do mistério que envolveu a ausência de posição do maior partido da oposição perante os recentes incidentes que tanto afectaram o país sobretudo no sector da grande distribuição, provocados pelo pequeno patronato que, ao que consta, goza de um grande apoio lá para os lados da Rua de São Caetano à Lapa; os novos pobres oriundos da classe média. Alguma massa cinzenta haveria de estar por detrás da sublevação destes pequenos empresários em que o “toque de clarinete” era recebido através do recurso às novas tecnologias…
Marcelo Rebelo de Sousa revelou-nos a táctica social-democrata para os próximos tempos. Falar o menos possível sobre os assuntos que afectam a nação, "deixar o governo estender-se ao comprido" (surpreendente esta alusão feita em horário nobre de uma estação pública de televisão), sobretudo fechar a sete chaves as ideias brilhantes que o PSD tem já na forja para a próxima temporada governativa - pós-período eleitoral legislativo -, não revelando em caso algum, o seu projecto, sobretudo aos portugueses. É com base na credibilidade da pessoa política de Manuel Ferreira Leite que os eleitores vão ter que votar. Por outro lado, é também evidente que não interessa ao partido ganhar as próximas eleições.
Os militantes que tinham sido afastados por Luís Filipe Menezes, no anterior acto eleitoral interno, estão de novo a postos para ocupar os lugares de topo no partido. É preciso deixar que José Sócrates faça o "trabalho sujo", e em 2009, ele ainda não estará concluído, bastando, para tanto, retirar-lhe a maioria absoluta que corresponderá ao trabalho preparatório que abrirá caminho à entrada pujante das mentes brilhantes social-democratas em 2013.
Em resumo, é preciso deixar que José Sócrates coma livremente os ossos, para seguidamente se banquetearem com a carne; a carne que será deixada como resultado de uma gestão séria, cumpridora de objectivos, no contexto de um novo ciclo político internacional que se abrirá e que se prevê próspero e politicamente estável.
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domingo, junho 15

A pretentious irish David is intended to smash down the european Goliath



Os eleitores irlandeses votaram Não pela terceira vez na Europa em três anos a um Tratado destinado a dotar a União Europeia dos mecanismos de que necessita para beneficiar de uma maior autoridade que lhe permita deter maior poder de influência no contexto da nova ordem da geopolítica mundial.
Um número inferior a um milhão de votantes poderá, assim, vir a afectar o curso das vidas de perto de 500 milhões de europeus, pertencentes aos 27 Estados-membros que agora fazem parte desta combinação tão diversificadamente endógena quanto aos factores culturais, sócio-económicos e políticos. Não faz sentido nem existe qualquer justificação plausível que leve um país isolado a evocar razões de ordem constitucional para referendar isoladamente um Tratado cujo articulado tem vindo a ser contestado pelos mais diversos grupos sociais e políticos em toda a Europa e que viram as suas posições subliminarmente transvertidas em ratificações por via parlamentar.
As razões de fundo são bem diferentes em cada Estado-membro e não estão em consonância com as evocadas pelos irlandeses, quer pela via oficial, quer pela oficiosa.
Oficialmente, o irlandês comum diz duvidar das reais capacidades do establishment político pró-europeu sediado em Bruxelas, cuja influência tem vindo a crescer, sobretudo no plano económico, pretendendo trazer à discussão a visão da União Europeia que deu origem à formação do primeiro bloco de Estados que conduziu ao forte crescimento económico do seu país. Por seu turno, os políticos e os empresários, partidários do Sim, reconhecem a contribuição dada pela União Europeia, que ajudou a transformar a Irlanda, cuja economia dependia essencialmente da agricultura, num país próspero, fortemente industrializado, com relevância para o sector da alta tecnologia.
Mas, aquilo a que os irlandeses oficialmente chamam de governance anti-democrática emanada dos gabinetes dos burocratas de Bruxelas, não é mais do que, do ponto de vista oficioso, o receio de virem a perder a sua tradicional neutralidade e influência no que diz respeito à eventual uniformização da política económica, que no caso da Irlanda a forçaria a eliminar os elevados incentivos que foram dados ao investimento estrangeiro, por via da redução dos impostos às empresas, o que fez com que os capitais estrangeiros rumassem, em grande número, em direcção àquele país, tendo, assim, contribuído para o crescimento exponencial da sua economia.
Mas, infelizmente este não é o cenário da maior parte dos países que compõem a União Europeia, Portugal incluído, e numa atitude de puro altruísmo e de nenhum egoísmo, os seus povos compreenderam a gravidade da situação, depois de decorridos vários anos de políticas inócuas, e contemporizaram com os seus governantes, neles depositando os destinos dos seus países, porque também eles querem crescer economicamente, proporcionando um futuro melhor para as gerações futuras.
Todos nós, pró-europeístas, os que acreditam no projecto europeu, contamos com o establishment de Bruxelas para rapidamente encontrar uma saída para este momentum na história da União, em parte resultante da incompetência dos políticos irlandeses pela sua incapacidade mobilizadora junto das populações que se deixaram levar pelas vontades eurocépticas de grupos que ainda não se aperceberam do perigo que constitui, no contexto geopolítico internacional, uma Europa desunida e sem rumo.
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quinta-feira, junho 12

La mala educación


Hoje fui insultada através da caixa de comentários de um blogue, o Portugal Contemporâneo. Fui eu e a minha progenitora que já se finou, e que, da forma como se finou, não ficou a dever nada à sociedade.
Não é a primeira vez que sou insultada por comentadores daquele blogue, sem que os seus autores, refiro-me aos fundadores, nada tenham feito para evitar essa situação, à semelhança do que acontece com outros blogers, que diariamente fazem a gestão das suas caixas de comentários (através da pura e simples anulação ou da reprimenda que é a medida de coacção, a meu ver, mais didáctica, e a que permite o claro posicionamento dos autores do blogue em relação ao comentário injurioso), de modo a evitar insultos e abusos de linguagem traduzidos em autênticos fluxos diarreícos verbalizados por pessoas sem escrúpulos, enfim, aquilo a que poderíamos chamar os verdadeiros escroques da nossa sociedade.
Mas o Portugal Contemporâneo é um blogue liberal. E ao que parece as práticas liberais tudo permitem; a liberdade individual está acima de qualquer coisa; não sei bem se os liberais se regem por valores, sobretudo os éticos, e/ou se existe uma matriz que “regulamente” esses valores: provavelmente não. A liberdade individual é omnisciente, cada qual defende os valores que muito bem entende.
Pelo conhecimento que já adquiri, a blogosfera portuguesa, sobretudo a que reúne as chamadas “pessoas de posição”, que detêm cargos de responsabilidade na nossa sociedade a vários níveis, e salvo raras excepções, que se podem contar pelos dedos das mãos, transformou-se no ponto de encontro virtual de pessoas com patologias várias que encontram na utilização livre do verbo o escape para os seus dias mais “stressantes”, para os seus infortúnios, para as pressões de vária ordem a que estão sujeitos no seu dia-a-dia, desde o desamor à falta de dinheiro, as ambições impossíveis de concretizar, atendendo às várias conjunturas, à incapacidade de coordenar, expor e fazer prevalecer as suas ideias, transformando-os na nata da blogosfera, capaz de os colocar na ribalta do circulo mediático.
Não fosse o envolvimento da senhora minha mãe e este post nunca seria publicado, porque, embora não parecendo, sou uma pessoa bastante tolerante. Mas, também pretendo com isto solidarizar-me com o Sr. Primeiro-ministro, relativamente a uma queixa apresentada por injúrias à sua pessoa por um autor de blogue. Apesar de, na altura, não ter compreendido a sua atitude, e tendo manifestado esse facto numa qualquer caixa de comentários, hoje a minha posição em relação a esse incidente alterou-se, porque senti na pele os mesmos efeitos. E só espero é que o bloger visado venha a ser sentenciado de modo a servir de exemplo a todos os utilizadores deste espaço virtual, pelo menos até que, oficialmente, seja encontrada uma saída que regulamente e sancione as ofensas, a partir dos abusos de linguagem, produzidas em relação a terceiras pessoas.
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Adenda 1: Afinal ao que consta o processo que aqui menciono objecto da queixa apresentada por José Sócrates foi arquivado ainda em fase de inquérito, não tendo este recorrido da decisão do Ministério Público, e, do mesmo modo, não tendo deduzido acusação particular, ainda na fase processual do inquérito, conforme lhe competia enquanto queixoso. Agora chego à conclusão de que fez mal, Sr. Primeiro-ministro, fez muito mal.
Recolhi esta informação ainda na mesma caixa de comentários do blogue Portugal Contemporâneo, cuja fonte me parece ser fidedigna, dado tratar-se da esposa de Pedro Arroja, um dos autores do referido blogue, merecendo-me, portanto, o mesmo crédito que este destacado catedrático, uma figura ímpar e altamente respeitada pela generalidade dos blogers portugueses de referência.
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Adenda 2: Venho apresentar as minhas desculpas pessoais e públicas ao Pedro Arroja, autor do blogue a que acima me refiro, pelo segundo lapso que, pelos vistos, acabei por cometer ao afirmar que a fonte da qual obtive a informação por mim veiculada em anterior Adenda, seria sua esposa. Longe de mim pretender provocar qualquer tipo de constrangimento. Francamente não sei o que me levou a pensar desse modo; estava plenamente convencida de que assim era. Fica aqui feito o desagravo, aproveitando para renovar o meu pedido de desculpas àquele ilustre bloger.


terça-feira, junho 10

O Estado democrático dos interesses corporativos


Perante a presente escalada de protestos ao nível de sectores laborais tão importantes como sejam o dos transportes e o das pescas, penso que o Sr. Primeiro-ministro não terá outra solução senão provocar a dissolução da Assembleia através da demissão do presente executivo.
A greve dos transportadores é uma greve eminentemente política.
A própria Antram não foi favorável à sua realização. Os motoristas das empresas de transportes foram forçados a aderir, apesar de não estarem a ser directamente afectados pelo aumento do custo dos combustíveis; os seus vencimentos estão a ser pagos atempadamente, segundo afirmações feitas, e não desmentidas, pelos seus empregadores, através da comunicação social.
Nesta fase em que o governo tudo tem feito para reduzir o peso do Estado na economia, afectando essa redução ao corte das despesas por ordem de prioridade, é exigido, por parte das associações dos trabalhadores independentes, que se retome a política da subsidiação, através do nivelamento do custo do gasóleo com o praticado em Espanha e do não pagamento de portagens. Só que, e por mais ignorantes que sejam os "mandantes" dessas associações, a economia espanhola já há muito que apresenta superavit e a portuguesa começou agora a respirar, por força da lufada de ar fresco que se traduziu na formação do governo liderado pelo actual Primeiro-ministro.
Por isso, eu penso que os portugueses têm que, de uma vez por todas, decidir nas urnas qual a solução governativa que pretendem para o futuro de Portugal; aquela que eles acham capaz de ir ao encontro de todas as suas reivindicações e, simultaneamente, contribuir para o desenvolvimento económico e social do seu país, no contexto pró-europeísta do termo. Se pretendem um governo maioritariamente comunista, bloquista, socialista, chefiado pelo poeta Manuel Alegre e alimentado pelas hostes pró-soaristas, ou a terceira via que saiu vencedora das recentes eleições social-democratas, representada pela ex-Ministra das Finanças, Manuela Ferreira Leite.
É que os portugueses e a classe política, em particular a que acabou de subscrever as moções de censura a este governo, têm que, de uma vez por todas, deixar de ser cínicos e assumir as suas posições políticas com responsabilidade.
Por outro lado, José Sócrates tem o direito de ver relegitimada, através do voto, a confiança que os portugueses nele depositaram - e continuam a depositar, conforme ditam as sondagens –, para que a sua auto-determinação e convicção nos resultados obtidos pelas suas políticas, não venham a ser afectadas, deitando a perder todo o esforço até aqui desenvolvido, recorrendo à força se preciso for, através da participação dos operacionais militares, não só no sentido de assegurar a ordem pública, mas também no de garantir o bom funcionamento das instituições que presidem à manutenção do nosso Estado de direito.
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domingo, junho 8

O Eixo do Mal



Melhor seria que a Clara Ferreira Alves seguisse o exemplo da Marina Abramovic... Com a escassez de diaristas que, neste momento, existe no mercado, o seu futuro profissional seria bem mais risonho e muito menos trabalhoso na tentativa explícita de andar a "fazer-se ao tacho".
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domingo, janeiro 20

Défice democrático


Comparo a nossa democracia à existência precária de um albatroz. Sem termos conseguido mudar as regras do jogo, a nossa democracia coexiste na base de um poder paralelo que se impôs no Estado Novo e que se tem vindo a afirmar, ao ir cimentando a sua influência junto do poder institucional, do poder corporativo e, porque não, também junto de alguma “sociedade civil” que nada quer ter a ver com a política, mas que vai hostilizando os nossos governantes ao ponto de lhes toldar a razão, a liberdade de movimentos e a própria noção que eles têm da realidade. A passada semana foi particularmente fértil em inéditos alimentados pela acção governativa, que nos faz pensar se o presente executivo está a ir por bom caminho em algumas das frentes de acção que se propôs instituir e que combinam com os ataques cirúrgicos a que temos vindo a assistir nos últimos dias, nomeadamente no que diz respeito à política da saúde.

O encerramento compulsivo de um grande número de unidades hospitalares, centros de saúde e maternidades, fará parte de uma política de reforma do sector da saúde devidamente fundamentada em estudos que se tenham debruçado não unicamente na vertente economicista do problema, mas também na social?

As medidas a serem levadas à prática e vaticinadas pelos respectivos estudos, terão salvaguardado as posições dos vários agentes envolvidos, desde logo os médicos e o pessoal hospitalar, já para não falar dos utentes que a esses não se lhes dá voz activa?

Será que os hospitais centrais concelhios ou distritais têm capacidade física, operativa e humana para responder, em condições mínimas aceitáveis, ao enorme afluxo de doentes que, entretanto, começaram a assomar às suas instalações?

E qual é o papel da actividade empresarial privada na oferta de serviços de saúde às populações do interior: traduzir-se-à por “quem pode pagar vive, quem não pode pagar morre”?

E por último, o governo a viver em autêntico estado de deslumbre, caucionado pelo poder que lhe foi conferido pela maioria absoluta, terá ideia das repercussões que poderão resultar da aplicação desta política? Outro acontecimento inédito foi a audição do senhor governador do Banco de Portugal em sede de comissão parlamentar, sobre as irregularidades no BCP. Protegido pelo segredo profissional pouco ou nada esclareceu os seus inquiridores, tendo saído com um sorriso nos lábios de “dever cumprido”, naturalmente escudado pelas “costas quentes” do poder institucional. A tudo isto vamos assistindo pacificamente, debaixo de uma ou outra ameaça de um eventual ataque terrorista, qual cereja destinada a dar cor ao bolo da incerteza da nossa própria sobrevivência em condições mínimas de dignidade e respeitabilidade, por parte dos poderes políticos que nos governam.

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Revisão eleitoral autárquica em agenda


Relativamente aos vários projectos de lei recentemente aprovados na Assembleia da República, com os votos favoráveis do PS e do PSD, sobre a revisão da lei eleitoral autárquica, fica a sensação de que estes diplomas têm como objectivo favorecer aquele que virá a ser o futuro presidente da Câmara Municipal de Lisboa em 2009, ao que tudo indica, o Dr. António Costa.
Um projecto de lei “cozinhado” com a complacência desta nova presidência itinerante do PSD, que suprime o essencial daquela que deveria ser uma revisão da lei autárquica projectada para garantir o crescimento económico das regiões, servindo os interesses e as necessidades básicas das populações, por sua vez afastando os agentes corruptores que pululam em redor dos municípios, afogando-os em dívidas, sujeitando-os à política onerosa da mera obra de benfeitoria, infundada e superficial, deleite para a vista, inutilidade prática.
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O anterior projecto de lei da delimitação de mandatos, permanece na gaveta. Os actuais autarcas, presidentes de câmara, poderão continuar a encabeçar as listas eleitorais, fazendo-se eleger ad eternum, vendo ainda os seus poderes reforçados, na medida em que o executivo passa a ser composto por uma maioria absoluta de vereadores, provenientes da lista vencedora.
Iremos, assim, ter muitas Fátimas Felgueira, com poderes reforçados legitimados, a depauperar as finanças dos municípios em benefício próprio (vide pagamento de honorários principescos a advogados), ainda durante muito mais tempo.
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No essencial, estes projectos de lei poderiam visar uma maior racionalidade do processo eleitoral autárquico: o novo modelo prevê a eleição dos órgãos executivos, incluindo o presidente de câmara, através da lista mais votada para a Assembleia Municipal.
O PS, partido socialista, que, inicialmente, previa a eleição da totalidade do executivo camarário com base na lista mais votada, excluindo, portanto, qualquer representação no corpo de vereadores dos restantes partidos, acabou por subscrever a proposta do PSD, partido social-democrata, que prevê que os partidos da oposição continuem representados no respectivo executivo camarário.
Com base num projecto alternativo apresentado pelo CDS/PP, a proposta deste partido é de longe a que terá a capacidade de reunir maiores consensos, fora do bloco central de interesses, uma vez que assegura a representatividade, em termos proporcionais, dos partidos da oposição na nomeação de metade dos vereadores, e dando ainda a possibilidade ao presidente eleito de poder recrutar vereadores fora da sua lista, no âmbito da formação de coligações pós-eleitorais, privilegiando-se, deste modo, a capacidade técnica e profissional do órgão executivo, em detrimento da selecção com base na óptica do compadrio e da clientela.
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Com os votos favoráveis do PS e do PSD, a aprovação da referida lei estará, à partida, garantida. Resta-nos, pois e mais uma vez, confiar no bom senso do Presidente da República, no sentido de vetar esta lei inconclusiva, devolvendo-a à Assembleia e exigindo que a sua redacção venha a ser alargada de modo a melhor servir o interesse das populações no contexto de uma gestão moderna criadora de valor, com base num referencial assente em critérios de eficiência, eficácia e obtenção de resultados.

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sábado, janeiro 12

A solução Portela +1


À semelhança de muitos ilustres cidadãos deste nosso pequeno burgo, também eu já me pronunciei aqui e aqui, sobre a construção do novo aeroporto internacional de Lisboa.
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A solução Portela + 1, é decididamente a solução que eu não defendo e muito gostaria de saber o que move a Associação Comercial do Porto a pronunciar-se sobre esta matéria, a não ser os habituais interesses económicos que ladeiam a escolha do local de implantação do novo aeroporto.
Esses interesses são quanto a mim legítimos desde que a anteriori não pretendam interferir na referida escolha, cuja decisão só caberá ao governo, "assessorado" pelos respectivos estudos técnicos sobre a sustentabilidade do projecto, designadamente nas áreas ambiental e urbanística - assim como também caberá ao governo decidir se a referida construção deverá ser faseada, se o aeroporto da Portela deverá ser desactivado e/ou a empresa ANA privatizada.- A decisão é uma decisão política e não deverá, quanto a mim, ser tomada com base em critérios exclusivamente economicistas, visto tratar-se de uma grande infra-estrutura que tem por base dois aspectos fundamentais: a previsão do aumento em larga escala do tráfego aéreo e respectiva circulação de pessoas e bens a muito curto prazo, e o período de conservação/utilização que se espera venha a ser de várias décadas.
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Aspectos bastante positivos sobressaíram de toda a polémica gerada à volta deste tema, a começar pela mobilização da chamada “sociedade civil”, concretamente na pessoa do Sr. Francisco Van Zeller, presidente da CIP, que mobilizou os meios necessários para a realização de um novo estudo que terá servido de base à apreciação favorável, por parte do LNEC, da nova localização, a de Alcochete. Relevante foi igualmente a participação activa em todo este processo, por parte de professores catedráticos e docentes universitários que se empenharam na presente causa, e que, independentemente de terem ou não sido movidos por interesses de vária ordem, ajudaram a contribuir para o enriquecimento e consolidação do nosso sistema democrático, através das regras básicas da salutar convivência.
No entanto, o aspecto mais positivo foi o facto de o senhor primeiro-ministro, pressionado ou não, (e aqui faço referência à intervenção do senhor Presidente da República que, desde o início, abraçou esta causa) ter mostrado uma certa dose de humildade perante os portugueses; ter chegado à conclusão de que as posições unipessoais, mesmo que subscritas pelos altos dirigentes de cargos públicos, podem deitar a perder o saldo positivo daquele que tem sido sinónimo de um bom projecto de governação, ultrapassando o domínio do racional para passar ao da pura obstinação.
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Não posso, no entanto, deixar de recordar os indecifráveis milhões gastos, ao longo das várias legislaturas, em estudos que indicavam a construção do novo aeroporto na OTA, e estabelecer um paralelo com as discussões acaloradas e não chegadas a bom termo, entre o Ministério das Finanças e as Confederações de Trabalhadores, sobre o aumento da taxa salarial para o corrente ano, traduzindo-se a divergência de posições numas insignificantes décimas, valor já largamente ultrapassado por aquela que se prevê vir a ser a subida da taxa de inflação para o mesmo período, como consequência do aumento galopante a que temos vindo a assistir do preço dos combustíveis fósseis.
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quinta-feira, janeiro 10

Tratado de Lisboa


Foi uma decisão sensata do governo a de proceder à ratificação do Tratado de Lisboa através da via parlamentar, pelas razões já sobejamente conhecidas.
Por outro lado, penso que o povo português teria o direito de se pronunciar através do Referendo; mas um povo português esclarecido, responsável e que soubesse separar as águas, que o referido “pedido de pronunciamento” não servisse para punir o governo com o respectivo cartão vermelho. A bem da verdade, o governo correria esse risco.
A união europeia dos Estados é hoje uma inevitabilidade, um dado adquirido, a solução possível para a nossa sobrevivência a curto, a médio e a longo prazo.
Acontece porém, e coincidentemente, que a viabilidade da ratificação do Tratado no Parlamento só se torna possível porque o Partido Socialista dispõe de uma maioria de deputados na Assembleia, salvo erro a terceira desde o período pós-revolução. E é sobre esta questão que nos deveríamos todos debruçar, sobretudo quando se observa que está em causa o próprio regime democrático, quando é vetado o direito aos cidadãos de estes se manifestarem.
A bem da verdade, foi o povo que escolheu, nas últimas eleições legislativas, os parlamentares que irão agora ratificar o referido Tratado. Mas fê-lo recorrendo ao voto útil, de uma forma esforçada, motivado por um conjunto de circunstâncias que o levou a dar a maioria absoluta ao Partido Socialista.
As maiorias absolutas não são nem nunca foram saudáveis à democracia, assim como os sistemas políticos bipolares. Um sistema de bipolarização partidária como existe no nosso país e na maior parte dos países da União Europeia, só revela imaturidade política por parte dos eleitores; no nosso caso, denuncia a falta de preparação e a fragilidade ou ausência de convicções políticas da maioria dos políticos que integram os pequenos partidos, não inspirando, por isso, confiança aos cidadãos que entregam livremente e de “mão beijada” os seus destinos nas hostes partidárias de um sistema de alternância bipolarizado, que propicia o cultivo da corrupção e do compadrio político, ao mesmo tempo, favorecendo o proteccionismo e o nepotismo.
Infelizmente o povo português, a sociedade civil, mergulhou num estado de indiferença em relação à sua quota-parte de responsabilidade na construção de um Portugal mais moderno e melhor, não passando a contestação pontual de ruído de circunstância, produzido nos raros momentos de lucidez em que este acorda para a realidade.
Que estes acontecimentos tenham, pelo menos, a grande virtude de se poder exigir ao nosso sistema politico-partidário novos padrões de qualidade no que diz respeito à selecção dos deputados que no Parlamento estão destinados a nos representar.

segunda-feira, janeiro 7

O virar de página


As reformas necessárias na administração pública não foram feitas em tempo útil, os anteriores governos nunca levaram muito a sério a necessidade da redução do deficit orçamental por óbvios imperativos eleitoralistas, e ao longo de uma caminhada de cerca de trinta anos, pontuada quer pelo desapertar ou pelo apertar do cinto, eis-nos chegados a um ponto em que o país se vê confrontado com uma situação de “mata ou morre”.
O senhor Presidente da República no seu discurso de ano novo, fez uma chamada de atenção para a assimetria existente entre os «rendimentos auferidos por altos dirigentes de empresas face aos salários médios dos seus trabalhadores», tendo sido alvo de muitas criticas, inclusivamente de a linha de conteúdo do seu discurso se encontrar ideologicamente posicionada à esquerda, o que, tendo ele sido eleito pela maioria das intenções de voto do centro-direita, só denotaria contra-senso.
Este último argumento é facilmente rebatível se atendermos ao facto de que o Presidente da República desde que eleito, funciona ou deverá funcionar, como uma espécie de entidade reguladora da acção governativa. No mínimo, a todos aqueles que lhes interessa a estabilidade política, deveriam congratular-se pelo facto de o desagrado manifestado pelo senhor presidente quanto aos efeitos práticos de certas medidas tomadas pelo governo, ao abrigo do seu programa de reformas, se circunscrever unicamente ao plano da retórica discursiva e não se estender à não ratificação peremptória de certos diplomas aprovados em assembleia, protegidos que ainda estão pelo emblema da “cooperação estratégica” que tem vindo a alimentar esta espécie de “amitié amoureuse” entre o governo e a presidência da República.
Quanto à questão da discrepância entre os rendimentos auferidos pelas diferentes classes sociais no activo, só prova que o nosso país está mais próximo de uma América Latina do que propriamente de uma União Europeia, da qual faz parte. O que faz com que trabalhadores no activo com formação académica ao nível da licenciatura aufiram pouco mais do que o salário mínimo, é o facto de a oferta ser bastante superior à procura. Se atendermos ao facto de o elevado índice da oferta estar em relação directa com o baixo índice da procura, chegamos à conclusão que existe no nosso país uma tendência para a política do desinvestimento, por parte dos empresários que detêm os meios para ajudar a fazer crescer a nossa economia. Se igualmente atendermos a que esses mesmos empresários são os agentes económicos que têm vindo a beneficiar do apoio do Estado quer directa ou indirectamente através de financiamentos a fundo perdido ou negociados com taxas de juro bastante reduzidas, então a conclusão a tirar é a de que esses mesmos empresários são nocivos ao desenvolvimento da nossa economia, uma vez que não são geradores de riqueza em toda a sua amplitude, dado que aplicam as mais-valias obtidas, neles próprios (potenciais contribuidores para o aumento da taxa de inflação), não reinvestindo os seus lucros em novos meios geradores de riqueza para o país, ao mesmo tempo, criando mais postos de trabalho e assim, ajudando a reduzir a elevada taxa de desemprego.
Não será a altura de o governo começar a impor regras nos apoios que concede ao actual tecido empresarial português? Não será a altura de o governo começar a privilegiar outras camadas da sociedade tão ou mais capazes do que as que fazem parte das actuais clientelas partidárias, projectos de empresários alavancados em organizações do tipo “opus dei”, “maçonaria” ou outras agremiações clubísticas cuja natureza é tão misteriosa como os fins que se propõem atingir?
Este é, pois, para mim o contexto essencial em que se insere a mensagem do senhor presidente, e não naquela velha máxima já tão gasta e arcaizada do “tirar aos ricos para dar aos pobres”, expressão à qual tentaram colar a polémica passagem do referido discurso.

sexta-feira, janeiro 4

Ingerência do governo ou talvez não


Por um lado, o sistema capitalista português assenta num modelo de sociedade em que o capital está concentrado num número muito restrito de empresários, ligados aos diferentes sectores da economia, dos quais o Estado depende para assegurar a sua sobrevivência. Por outro lado, e como nunca existiu uma consciência cívica da necessidade do cumprimento das obrigações fiscais por parte do restante tecido empresarial produtivo ligado às pequenas e médias empresas e às profissões liberais, a prática recorrente da fuga aos impostos generalizou-se, tendo assumido carácter de preceito doutrinário.
Numa situação periclitante como esta, acrescida de uma nova funcionalidade nas suas competências que tem a ver com a defesa do modelo social como filosofia de governance adoptada, ao Estado e às entidades reguladoras que administra só lhes cabe “fechar os olhos” às más práticas adoptadas pela gestão dos domínios privados dos grandes grupos económicos. Mas mesmo para o Estado, em relação ao poder das clientelas, existem limites intransponíveis, sobretudo quando o problema assume proporções que ultrapassam o nosso espaço geográfico, entram na esfera jurisdicional, e ameaçam sob a forma de efeito colateral o bom funcionamento da economia de mercado, pondo em causa a credibilidade do próprio sistema financeiro português.
E aqui, a eventual sugestão, por parte do governo, de um alto ex-funcionário público que detinha um cargo de confiança política junto de uma instituição pública, para presidir ao maior banco privado português, não foi mais do que a aplicação de uma medida cirúrgica, tomada em tempo útil pelo poder político (que tem toda a legitimidade em actuar sempre que esteja em causa o bom nome de instituições, sectores-chave da economia), como resposta aos ilícitos praticados tornados públicos por uma entidade financeira que se tinha por idónea e impoluta aos olhos da opinião pública e dos restantes agentes económicos.
No entanto, e para deixarmos de parecer sérios ao invés de o sermos, a demissão do senhor governador do Banco de Portugal seria a medida mais acertada a tomar no quadro de uma maior moralização no que diz respeito às regras que gerem o nosso sistema institucional.


terça-feira, janeiro 1

O regresso a casa de Benazir Bhutto


Karachi é a cidade paquistanesa mais caótica e a sua população, constituída na sua grande maioria por imigrantes, tende a ver o ar irrespirável provocado pela circulação automóvel e os ocasionais momentos de violência política, como realidades cívicas que devem ser reconhecidas, aceites, depois ignoradas. Mas não foi esse o caso relativamente aos acontecimentos que rodearam o regresso a casa de uma figura local, na passada quinta-feira. Um ataque bombista contra a caravana da antiga primeira-ministra, Benazir Bhutto provocou a morte a mais de 130 dos seus apoiantes e seguranças, mutilando e ferindo muitos dos que se juntaram em redor do seu veiculo.
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Os meses de especulação à volta do regresso de Bhutto à cena política, após oito anos de exílio forçado que impôs a si própria, terminaram junto à porta 21 do Aeroporto Internacional do Dubai. Bhutto chegou num pequeno veículo normalmente reservado a passageiros portadores de deficiência. Saiu lentamente, abraçou as suas duas jovens filhas, enquanto os flashes das câmaras fotográficas disparavam e o seu marido Asif Zardari assistia com um sorriso copioso. “Nós também regressaremos ao Paquistão muito em breve”, disse ele, à medida que a sua esposa se encaminhava para a saída. Passou pelos jornalistas sem parar, deixando a sala de embarque congestionada, e entrou a bordo da cabine da primeira classe do voo 606 da Air Emirates.
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Tinha negociado um lugar a bordo do avião na qualidade de jornalista destacado por uma estação de televisão norte-americana, e para lá fui conduzido passando pelo cordão de homens fardados que se conservavam à entrada do avião. Entretanto, fotógrafos descarregavam as últimas imagens nos mini-laptops, precariamente apoiados nos seus antebraços; engenheiros de som enrolavam os cabos vermelhos dos microfones e Lucas, um assistente de bordo australiano de Brisbane, de olhos azuis, esforçava-se por sentar os excitados membros do partido popular paquistanês de Bhutto, antes da descolagem.
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À medida que o avião prosseguia na sua subida vertiginosa sobrevoando o Mar Arábico, faziam-se ouvir as palavras de ordem de “Benazir” e “Bhutto” vindas dos seus apoiantes que viajavam na classe económica. Um poster de grandes dimensões de uma Bhutto com ar cansado, foi suspenso sobre a asa esquerda do avião, continuando a ignorar-se os sinais luminosos de “Apertar os cintos”. Lucas respondia à crescente confusão de sobrolho levantado, deixando transparecer um sorriso que denotava cansaço.
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Bhutto apareceu finalmente na passagem de acesso à classe económica, enquanto equipas das câmaras de televisão se debatiam por chamar a sua atenção e fotógrafos subiam aos lugares para obter os melhores grandes planos. Do lado oposto da asa, um homem baixo com uma dentadura saliente, exibia-se mostrando uma fotografia dele próprio do tamanho de um poster. A imagem parecia mostrar Bhutto passando por ele à medida que irrompia pelo lobby de um hotel. Ela fez o mesmo a bordo.
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Victoria Schofield, uma velha amiga de Bhutto do seu tempo de estudante em Oxford, parecia imperturbável face ao pandemónio à sua volta, enquanto lia o romance de Jodi Picoult “Mercy”. “A minha filha deu-mo como objecto de distracção para a viagem”, explicou ela.
Repentinamente, uma escalada de confrontos entre os apoiantes de Bhutto e os membros da comunicação social, aqueceram os ânimos. “Se não se senta, regressaremos ao Dubai”, gritava uma assistente de bordo. “Isto não é uma brincadeira”. “Senhor, o cinto de segurança, cinto, cinto, cinto”, berrava outra para aquela concentração. Momentos mais tarde, o sistema de Public Address deu sinal de vida. “Obrigado por escolherem as linhas aéreas Emirates”, entoava um Capitão Parry, anunciando a descida do voo EK606 para Karachi. “Para aqueles que regressam ao Paquistão após uma longa ausência, desejo-lhes uma estadia agradável e em segurança.”
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E foi agradável, pelo menos durante algumas das horas que se seguiram. Bhutto abandonou o avião acenando com um exemplar do Alcorão, antes de ser rapidamente conduzida em direcção a uma minivan que aguardava. Uma hora mais tarde, foi transportada para uma zona de lugares sentados à prova de bala de um autocarro, por meio de um sistema de elevação especialmente concebido para esse fim. Assim que o veículo abandonou o aeroporto, milhares de militantes do PPP rodearam a sua líder, acenando com bandeiras e cantando slogans. Não se produziu muito durante quase toda a tarde: uma dúzia de camiões irromperam carregando tripods para máquinas fotográficas, enquanto pick-ups da polícia transportavam homens armados com capacetes azul escuro, coletes à prova de bala e cassetetes.
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Uma música Urdu soou estridente vinda de carros estacionados, homens vestidos de shalwar kameez (calça e túnica) em cores branco e azul, gritavam com as armas erguidas, e rapazes subiam às arvores da beira da estrada para disfrutar de melhor vista. No centro desta grande agitação estava Bhutto que, ou acenava da parte da frente do autocarro a descoberto onde seguia – sem a protecção do vidro reforçado, mas ladeado de apoiantes – ou dava resposta aos intermináveis interrogatórios da imprensa. “Como se sente neste preciso momento?” perguntava um reporter sueco, “Está preocupada com a sua segurança?” insistia o homem alto da BBC. Às dezenas de homens do aparelho à procura de um soundbite, tinha-se-lhes primeiro informalmente pedido para avançarem sobre as multidões, distribuindo-se por uma extensão de 20 pés a partir da parte traseira do autocarro.
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Ao anoitecer a caravana dos veículos mal tinha saído das imediações do aeroporto e à medida que a tarde irrompia, aumentavam as multidões; muitos apoiantes buzinavam por entre a multidão comprimida, dois ou três numa motorizada, às vezes famílias inteiras com crianças empoleiradas à frente. Surgiram fogos de artifício por entre os gases dos escapes e eram atiradas mãos cheias de pétalas de rosa de pontes enfeitadas com taipais dizendo “BEM VINDA A CASA BENAZIR”. Eu permaneci junto à caravana, a recuperar do estado de fadiga e de vontade de comer, comendo biscoitos de chocolate e bebendo chai quente providenciados por amigos trabalhadores do partido.
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Ouviu-se um rebentamento particularmente forte mesmo à minha frente, assim que a caravana parou no seguimento de um dos muitos congestionamentos de trânsito. Khawaja Maqbool Mustafa, um proprietário agrícola de Multan, localizado a 500 milhas a nordeste de Karachi, saltou para fora do Toyota SUV que partilhávamos: “Pensam que foi só o rebentamento de um pneu?”, perguntou ele, dirigindo-se cautelosamente para o local da explosão. Segundos mais tarde chegou a sua resposta. Assim que abri a porta com a minha câmara de vídeo preparada, uma intensa explosão fez estremecer os camiões agrupados imediatamente atrás do autocarro de Bhutto. Figuras espectrais vestidas de branco começaram a correr, seguindo-se-lhes gritos e expressões de lamento em curta sucessão. Um homem com as pernas a escorrer sangue e metade de um pé desfeito inclinava-se junto a uma motorizada, enquanto que a notória e ineficaz grelha eléctrica de Karachi designada por semáforos, emitia um breve sinal luminoso laranja desmaiado, destinado a chamar os serviços de emergência – quando chegavam.
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Fugi, receando nova explosão. O primeiro rebentamento pareceu-me resultar de uma granada, não tendo gerado nenhuma onda de choque no local onde me encontrava. Mas a julgar pelos corpos e ferimentos nos que se afastavam a coxear de perto do veiculo de Bhutto, a segunda explosão tratou-se de um ataque suicida como os que são tão comuns no Iraque; os coletes de explosivos de atacantes que detonados rasgam a carne humana.
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Os ataques bombistas deram por terminado um dia horrível com muita agitação e celebrações várias, mas não para grande surpresa de alguns dos observadores mais cínicos.
Bhutto tinha sido avisada mais do que uma vez de que a sua vida estaria sob ameaça no caso de regressar ao Paquistão. Mesmo que questionável a credibilidade dessas ameaças, não se poderia negar que uma manifestação pública com esta dimensão em que o sistema de protecção pessoal era assegurado unicamente por uma mão cheia de polícias, não significasse um sério risco do ponto de vista da segurança numa cidade tão volátil como Karachi.
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Willem Marx, Prospect,
(edição de Novembro 2007)
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