quinta-feira, outubro 11

Doris Lessing: A escolha perfeita


Quando entrevistei Doris Lessing no princípio deste ano para o “Guardian Book Club”, não duvidei de que esta figura vergada, de pequena estatura, fosse uma presença formidável. Ela foi o primeiro escritor a ser ovacionado numa cerimónia do “Book Club”, logo à entrada, simplesmente pela força que emanava da sua presença. Quando lhe foram colocadas questões pelos presentes, ficou claro que ela possuía um dos requisitos comuns aos galardoados com o Prémio Nobel: os leitores que acreditavam que ela tinha mudado as suas vidas. Mas o seu ponto mais alto - evidente, penso eu, na sua escrita -, é o facto de ela não se apoiar na sua reputação.
Alguns dos seus admiradores mais antigos que a convidaram a celebrar a nostalgia dos tempos da libertação e do idealismo político, foram surpreendidos pelo enfraquecimento das suas posições, pelo logro que representou o seu próprio passado e o dos seus antigos camaradas. Ela poderá ter sido parte activa do movimento feminista sem, contudo, se ter importado se os ideais que defendia eram ou não feministas.

A maior parte das atenções foram despoletadas pelo facto de Doris Lessing ser a 11ª mulher a ganhar o prémio, num total de 104 prémios atribuídos. Menos relevante foi o facto de, com 87 anos, ter sido a laureada com mais idade dos premiados, batendo o historiador alemão, Theodor Mommsen, que tinha 85 quando lhe foi atribuído o prémio, em 1902. Quem a contactar pessoalmente, não terá dúvidas de que está perante uma inteligência activa versada no campo da argumentação. Já não necessita de obsequiar os seus leitores, tanto pessoalmente como através da escrita; as suas histórias e opiniões ainda causam sensação. Os revisores não foram particularmente simpáticos com o seu último romance “The Cleft”, publicado no início deste ano. Mas mostrou-se foi admirável o facto de ela ter conseguido produzir, aos 87 anos, esta perturbante fábula sobre o aspecto negativo da condição humana no homem e na mulher. Os defeitos que alguns encontraram – o peso das ideias no livro e a sua ambição intelectual – são suficientemente fora do comum para me parecerem virtudes.
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Os homenageados com o Prémio Nobel são certamente figuras que possuem um já longo currículo no campo das letras – o reconhecimento de um estatuto conseguido ao longo de décadas num esforço continuado. Foi assim com Harold Pinter há um par de anos, e, como no caso de Pinter, persistirá a ideia de que o prémio é a marca da sua influência na política.
Ficou conhecida como romancista feminista, particularmente pelo seu romance mais importante, “The Golden Notebook”. Este definiu um tempo em que a ficção se fazia a partir dos argumentos das mulheres sobre o que se poderia vir a entender por “Free Women” (o título do primeiro capítulo do livro). Foi um tema audacioso para o ano de 1962. Trouxe ao romance inglês uma mistura emocionante de ideias novas: debate político, sessões de psicoterapia, sexo desastroso. É o primeiro romance que eu conheço a incluir menções explícitas sobre tampões e tensão pré-menstrual. Foi um romance em que as contradições entre os diferentes desejos e necessidades da mulher são formalmente tratadas de uma forma genuina. O “The Golden Notebook” é composto por quatro cadernos (preto, encarnado, amarelo e azul), todos supostamente escritos por Anna, a heroína de Lessing: diferentes narrativas só que mantidas em conjunto.
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Tem sido normalmente o conteúdo da ficção de Lessing que tem despertado as atenções. O que é muitas vezes menos notado é a sua incansável experiência com a forma e o género. Pareceu não a preocupar o facto de muitos leitores terem sido deixados para trás, quando seguiu a via da ficção científica no final dos anos 70, início dos anos 80. Atraía-a este género literário, porque estava empenhada em escrever romances de ideias; as vendas não a preocupavam. Escreveu então “Diary of a Good Neighbour (1983), respondendo, assim, e de uma forma maliciosa e ressentida, àqueles que lamentaram que ela tivesse abandonado o “mundo real”. Uma narrativa realista acutilante sobre a terceira idade, que enviou para os editores assinada sob o pseudónimo Jane Somers. Estava encantada com o facto de ter chegado à conclusão que sem o nome “Doris Lessing”, os editores e os revisores (e talvez os leitores) não fizessem ideia qual a direcção ficcional que ela pudesse vir a tomar.
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O dinheiro do prémio e o reconhecimento serão ambos sem dúvida bem vindos. E talvez que o Prémio Nobel venha a ter ainda outra propriedade. Esta tarde, perguntei a um grupo de 24 estudantes universitários do primeiro ano de Literatura Inglesa, sobre quem é que já tinha ouvido falar de Doris Lessing (não li, acabei de ouvir falar). Somente seis levantaram as mãos. Claramente algum do brilho da sua reputação já se extinguiu há muito tempo.

John Mullan,
The Guardian blog books

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