sexta-feira, outubro 26

O Quiproquo das escutas telefónicas


Considero um atentado directo à inteligência do Sr. Procurador-Geral da República, à inteligência dos cidadãos em geral e à dos cidadãos mais esclarecidos em particular, a solução que foi encontrada pelo Dr. Jorge Coelho para justificar as afirmações menos politicamente correctas da entrevista dada pelo senhor procurador ao semanário Sol.
A simples cogitação de que possam ser efectuadas escutas telefónicas a altos magistrados da nação através da mera aquisição, por um qualquer cidadão, de um equipamento que possua propriedades para o efeito, parece-me uma razão bastante parca, sem substância do ponto de vista argumentativo, que já não convence ninguém.
Criticar as afirmações proferidas pelo senhor procurador é uma forma de perseguição política, aliás como aconteceu com o anterior procurador, Dr. Souto Moura, cujos ataques à sua conduta profissional pelo poder político instalado, só serviram para fazer correr rios de tinta, na medida em que pontuou o bom senso do presidente da república e o apoio incondicional que lhe foi dado pela grande maioria dos cidadãos que nele depositavam a sua confiança.
Mas voltando às dúvidas bastante pertinentes do senhor procurador, sobre se está ou não a ser “escutado”, e que tanto incomodaram os políticos profissionais deste país, elas não são mais do que a constatação de uma realidade que está hoje em cima da mesa e que diz respeito ao novo modelo securitário que foi criado durante a presente legislatura, no âmbito da reforma do sistema de Segurança Interna e que sai fora da alçada dos órgãos institucionais do Estado que habitualmente tutelam essa área de competência, tendo passado a sua direcção a ser assegurada directamente pelo gabinete do senhor primeiro-ministro, portanto fora da área do quadro jurídico institucional previsto no âmbito do funcionamento do Estado de direito.
Tem, deste modo, fundamento a existência de uma tentativa de “dissecação” ou esvaziamento de poderes de um órgão do Estado, constitucionalmente autónomo dos restantes órgãos do poder central, e, objectivamente, o garante da legalidade democrática da função jurisdicional.
A mudança em Portugal com vista à instauração de um regime democrático pleno que não se esgota no actual modelo de democracia parlamentar, predestinada ao fracasso pelo cada vez mais ineficaz combate às vicissitudes de uma sociedade descaracterizada e egocêntrica, é hoje um dado adquirido, sendo disso prova inegável a boa receptividade que forças políticas extra-partidárias têm vindo a usufruir por parte dos cidadãos eleitores, nos recentes actos eleitorais.

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