segunda-feira, outubro 29

Sobre referendar a inevitabilidade


(...) A reivindicação do referendo é a única maneira de pegar nas poucas pontas de fio que sobram para um debate sobre a Europa, pobre, inquinado, desigual, ambíguo que seja, mas mesmo assim o único possível. O referendo dá um empowerment às pessoas comuns que nada mais dará, e esse "poder" é o único que as pode interessar pelas questões europeias, que as pode levar a prestar-lhes alguma atenção. Pedem-lhe o voto no meio da indiferença geral, mas mesmo assim são interpeladas. Muitos não farão nada, continuarão indiferentes, outros farão. Haverá mil razões impuras para o fazer, até porque o referendo está por excelência cheio de razões impuras, mas será que essas razões não têm a ver com a Europa? O argumento dos que dizem que os referendos europeus tendem a concentrar razões de insatisfação contra os governos que não têm nada a ver com a Europa, para mim não colhe. Os 200.000 manifestantes levados pela CGTP e pelo PCP estão a pronunciar-se sobre a Europa à sua maneira. Os que votariam contra Sócrates por causa do centro de saúde estão a pronunciar-se sobre a Europa, porque o aperto para o controlo do défice é uma política "europeia". Hoje quase tudo na governação tem a ver com a Europa, por isso, se se votar por razões impuras de política interna, também estamos a votar no modelo de uma política que é moldada por decisões europeias. Ninguém tem ilusões, a não ser os europeístas extremos, de que existe ou é possível existir uma "consciência europeia". Mas acredito, com a fé dos agnósticos, que talvez seja possível melhorar a "consciência" dos portugueses face à Europa e que isso é melhor que nada. Sem referendo é que é mesmo nada, estamos condenados à impotência cívica. (sic)
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Este é um belo texto de José Pacheco Pereira. Mas a sua inevitável utilidade é o emolduramento e a consequente afixação numa qualquer parede de uma dada biblioteca.
Que me lembre, o Dr. Pacheco Pereira, agora preocupado com a consignação do “empowerment às pessoas comuns”, termo que decerto não fará parte do léxico das classes sociais a que pertencem, sempre que se dignava evocar o cidadão comum, nos sucessivos programas televisivos em que tem participado, fazia-o num tom depreciativo (logo secundado pelo seu compagnon de route Lobo Xavier), concedendo-lhe um atestado de menoridade, ao declará-lo incapaz do exercício de qualquer direito cívico em sã consciência e com conhecimento de causa.
Nós sabemos que a opinião dos políticos é variável consoante os fins que pretendem atingir, mas isso não deveria justificar abastecer-se no quadro das carências sociais desses mesmos cidadãos para pretender virá-los contra si próprios, num futuro em que por via de uma assertiva prepotência cívica, lhes estivesse reservado o grau zero da sobrevivência humana e o forçoso isolamento de um estado de progressivo desenvolvimento económico e social. Que é o que aconteceria num cenário de descontrolo do défice orçamental, implicando directamente a suspensão do programa de reformas em curso.
Desonestidade intelectual é como me é dado interpretar este posicionamento ideológico de José Pacheco Pereira. Debata-se, mas debata-se a inevitabilidade da entrada em vigor do Tratado e não a sua dispensabilidade.

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