Sigo pela rua Linien, num sossegado bairro residencial da antiga Berlim Leste, a caminho do meu local de trabalho. Reduzo o passo para ver os novos grafitis. Um Banksy! E 16 novas inscrições de um Calyba, ou Kalyba, um grafiter local tão incapaz, que nem sequer consegue escrever o seu próprio nome.
Encontro uma linda cadeira no passeio. Dou meia volta, levo-a para casa, continuo a andar… Um pequeno trampolim. Em casa não temos um trampolim. Levo-a para casa… Não tenho pressa. Está um lindo dia de sol. Não há insectos. Em Berlim não existem insectos. Não faço a menor ideia porquê.
Na verdade não conheço Berlim; ninguém conhece, porque simplesmente ela não existe. Existe unicamente um grupo de vilas urbanas muito juntas que não têm nada em comum, nem mesmo a sua história. Algumas de entre elas eram comunistas até há bastante pouco tempo. Outras capitalistas. Agora não são nada. O comunismo não resultou e o capitalismo é precário, com 16 por cento de taxa de desemprego e uma vasta dívida externa de 60 bn de Euros. Decerto que não pretendem tão depressa tentar um novo nacionalismo ou socialismo. Berlim tem o olhar assumido de uma cidade em que a realização de grandes ideias deixá-la-iam só por uns tempos.
Aqui, no coração do centro histórico, as varandas dos apartamentos do tempo da República Democrática Alemã estão a cair. Naquele tempo não havia muito cimento, por isso completava-se a argamassa com mais areia. Berlim tem muita areia e construiu uma cidade inteira na base da areia, contrariamente aos ensinamentos bíblicos. Talvez isso explique muita coisa.
Berlim! Cidade de mulheres confiáveis e de homens assustados! Berlim! Cidade de arquitectos deprimidos e de anarquistas felizes!
A partir de 1989, começaram a construir a pensar no futuro, mas este não chegou. Vieram foi artistas. Centenas de milhares de artistas. Uma praga de artistas vindos de todo o lado.
O mundo colocou em outsourcing a sua produção de arte para Berlim. Berlim está para a arte moderna de má qualidade, assim como a China está para os gatos de plástico que levantam e baixam uma pata com o mais feliz dos ares.
Os artistas precisam de três coisas: apartamentos baratos, estúdios baratos e cerveja barata. Muitas pequenas cidades e as zonas dos subúrbios mais distantes e inóspitas oferecem-lhes isso. Mas os artistas notoriamente menos realistas, também querem viver no coração de uma grande cidade, no meio de um cenário gay florescente, de transportes públicos fabulosos, óptimos nightclubs, experimentando uma ligeira sensação de perigo, sem que, na realidade, exista perigo algum.
Berlim é uma cidade construída para 4.5 m de pessoas quando só tem 3.5m. Existem 100,000 apartamentos vazios e mais edifícios industriais disponíveis do que ocupados. O artista Thomas Demand e o art-star islandês Olafur Eliasson, partilham uma fábrica com um espaço proporcional ao da lua, localizada a escassos minutos do Museu de Arte Contemporânea de Berlim, Hamburger Bahnhof. Em Manhattan, perto do Museu de Arte Moderna MoMA, pelo mesmo valor conseguiriam um espaço para guardar os sapatos, pelo menos, alguns deles.
Klaus Wowereit, o gerente de um clube gay em Berlim, disse: “Berlin ist arm, aber sexy.” „ Pobre mas sexy“ é a inscrição nas T-shirts dos berlinenses: “I heart NY”. Irrita os locais, mas encerra uma grande verdade num tão pequeno espaço.
Eu e o amor da minha vida, fomos despejados da nossa casa em Galway, por não ter pago a renda. (Escritor e artista, a tentar suportar uma renda no centro da cidade dos Celtic Tiger! (Percebem o que eu quero dizer? É preciso cair na real.) O curso da história, expresso em termos económicos, empurrou-nos em direcção a Berlim. Os preços reduzidos das viagens aéreas permitiram aos artistas deslocarem-se para fora dos seus países. Emigrámos através da Ryanair, por 1 Euro. Todos os nossos haveres foram reduzidos ao mínimo de bagagem permitido por pessoa. E os apartamentos em Berlim nem sequer têm suportes de lâmpadas, quando se muda de casa.
Na zona norte, Berlim pratica a “gift economy”. Toda a gente deixa na rua tudo o que não utiliza. Se pretendes começar de novo a tua vida, sem quaisquer gastos, arriscando-te, fá-lo em Berlim, um rio mágico de uma trampa cada vez mais envelhecida, em constante reciclagem.
Em Berlim Leste existem lojas, uma espécie de lojas. Mas só vendem malas ao ombro de um único designer, ou bicicletas ou carregadores de telemóveis, ou discos de vinil em segunda mão, de uma conhecida ilha das Caraíbas.
A velha piada comunista de que, “ Nós fingimos que trabalhamos e eles fingem que nos pagam”, transformou-se na nova piada capitalista: “ Nós fingimos que gerimos uma loja e vocês fingem que vão comprar qualquer coisa.” Agora, metade das lojas são galerias de arte. É a ideia infantil de uma economia equilibrada.
À medida que desço a rua Gormann, abre-se uma janela e Rasmus Hansen assoma, cumprimentando-me. Ele dirige uma galeria de arte a partir do seu quarto. Continuo a andar, viro em direcção à rua Tor, Fleischerei dispõe objectos artísticos nos espaços de congelação desactivados de um antigo talho. Livros sobre a arte da fotografia, T-shirts artísticas, arte arte. Os tipos estão sentados nos degraus com um olhar melancólico. O edifício tem um novo dono. Acima de nós, num andaime revestido de plástico, um anúncio à Nike.
Na esquina, a sex shop acaba de fechar. A “gentrificação” da rua Brunnen acontece de uma forma tão rápida, que pode ser vista em tempo real. A propagação das galerias de arte nesta rua, fazem lembrar os fungos de um sapato molhado nos trópicos. As galerias de arte de Nova Iorque estão a abrir outposts. Em breve, Berlim será o centro do mundo da arte do ocidente. Não vai demorar muito tempo, a ascensão, a queda. Tudo de uma forma acelerada.
A dois passos, a antiga loja de produtos de informática está a ser desmantelada para se transformar numa galeria. A um passo, o jovem artista escocês, Kevin Harman constrói uma escultura através da recuperação de escombros. Sem licença, sem galeria, só pelo prazer de construir algo que não envolva dinheiro. Amanhã, os construtores removê-la-ão. “ Está a ficar bonita Kev ,” digo. Salto para o outro lado e começo a fazer o mesmo.
Encontro uma linda cadeira no passeio. Dou meia volta, levo-a para casa, continuo a andar… Um pequeno trampolim. Em casa não temos um trampolim. Levo-a para casa… Não tenho pressa. Está um lindo dia de sol. Não há insectos. Em Berlim não existem insectos. Não faço a menor ideia porquê.
Na verdade não conheço Berlim; ninguém conhece, porque simplesmente ela não existe. Existe unicamente um grupo de vilas urbanas muito juntas que não têm nada em comum, nem mesmo a sua história. Algumas de entre elas eram comunistas até há bastante pouco tempo. Outras capitalistas. Agora não são nada. O comunismo não resultou e o capitalismo é precário, com 16 por cento de taxa de desemprego e uma vasta dívida externa de 60 bn de Euros. Decerto que não pretendem tão depressa tentar um novo nacionalismo ou socialismo. Berlim tem o olhar assumido de uma cidade em que a realização de grandes ideias deixá-la-iam só por uns tempos.
Aqui, no coração do centro histórico, as varandas dos apartamentos do tempo da República Democrática Alemã estão a cair. Naquele tempo não havia muito cimento, por isso completava-se a argamassa com mais areia. Berlim tem muita areia e construiu uma cidade inteira na base da areia, contrariamente aos ensinamentos bíblicos. Talvez isso explique muita coisa.
Berlim! Cidade de mulheres confiáveis e de homens assustados! Berlim! Cidade de arquitectos deprimidos e de anarquistas felizes!
A partir de 1989, começaram a construir a pensar no futuro, mas este não chegou. Vieram foi artistas. Centenas de milhares de artistas. Uma praga de artistas vindos de todo o lado.
O mundo colocou em outsourcing a sua produção de arte para Berlim. Berlim está para a arte moderna de má qualidade, assim como a China está para os gatos de plástico que levantam e baixam uma pata com o mais feliz dos ares.
Os artistas precisam de três coisas: apartamentos baratos, estúdios baratos e cerveja barata. Muitas pequenas cidades e as zonas dos subúrbios mais distantes e inóspitas oferecem-lhes isso. Mas os artistas notoriamente menos realistas, também querem viver no coração de uma grande cidade, no meio de um cenário gay florescente, de transportes públicos fabulosos, óptimos nightclubs, experimentando uma ligeira sensação de perigo, sem que, na realidade, exista perigo algum.
Berlim é uma cidade construída para 4.5 m de pessoas quando só tem 3.5m. Existem 100,000 apartamentos vazios e mais edifícios industriais disponíveis do que ocupados. O artista Thomas Demand e o art-star islandês Olafur Eliasson, partilham uma fábrica com um espaço proporcional ao da lua, localizada a escassos minutos do Museu de Arte Contemporânea de Berlim, Hamburger Bahnhof. Em Manhattan, perto do Museu de Arte Moderna MoMA, pelo mesmo valor conseguiriam um espaço para guardar os sapatos, pelo menos, alguns deles.
Klaus Wowereit, o gerente de um clube gay em Berlim, disse: “Berlin ist arm, aber sexy.” „ Pobre mas sexy“ é a inscrição nas T-shirts dos berlinenses: “I heart NY”. Irrita os locais, mas encerra uma grande verdade num tão pequeno espaço.
Eu e o amor da minha vida, fomos despejados da nossa casa em Galway, por não ter pago a renda. (Escritor e artista, a tentar suportar uma renda no centro da cidade dos Celtic Tiger! (Percebem o que eu quero dizer? É preciso cair na real.) O curso da história, expresso em termos económicos, empurrou-nos em direcção a Berlim. Os preços reduzidos das viagens aéreas permitiram aos artistas deslocarem-se para fora dos seus países. Emigrámos através da Ryanair, por 1 Euro. Todos os nossos haveres foram reduzidos ao mínimo de bagagem permitido por pessoa. E os apartamentos em Berlim nem sequer têm suportes de lâmpadas, quando se muda de casa.
Na zona norte, Berlim pratica a “gift economy”. Toda a gente deixa na rua tudo o que não utiliza. Se pretendes começar de novo a tua vida, sem quaisquer gastos, arriscando-te, fá-lo em Berlim, um rio mágico de uma trampa cada vez mais envelhecida, em constante reciclagem.
Em Berlim Leste existem lojas, uma espécie de lojas. Mas só vendem malas ao ombro de um único designer, ou bicicletas ou carregadores de telemóveis, ou discos de vinil em segunda mão, de uma conhecida ilha das Caraíbas.
A velha piada comunista de que, “ Nós fingimos que trabalhamos e eles fingem que nos pagam”, transformou-se na nova piada capitalista: “ Nós fingimos que gerimos uma loja e vocês fingem que vão comprar qualquer coisa.” Agora, metade das lojas são galerias de arte. É a ideia infantil de uma economia equilibrada.
À medida que desço a rua Gormann, abre-se uma janela e Rasmus Hansen assoma, cumprimentando-me. Ele dirige uma galeria de arte a partir do seu quarto. Continuo a andar, viro em direcção à rua Tor, Fleischerei dispõe objectos artísticos nos espaços de congelação desactivados de um antigo talho. Livros sobre a arte da fotografia, T-shirts artísticas, arte arte. Os tipos estão sentados nos degraus com um olhar melancólico. O edifício tem um novo dono. Acima de nós, num andaime revestido de plástico, um anúncio à Nike.
Na esquina, a sex shop acaba de fechar. A “gentrificação” da rua Brunnen acontece de uma forma tão rápida, que pode ser vista em tempo real. A propagação das galerias de arte nesta rua, fazem lembrar os fungos de um sapato molhado nos trópicos. As galerias de arte de Nova Iorque estão a abrir outposts. Em breve, Berlim será o centro do mundo da arte do ocidente. Não vai demorar muito tempo, a ascensão, a queda. Tudo de uma forma acelerada.
A dois passos, a antiga loja de produtos de informática está a ser desmantelada para se transformar numa galeria. A um passo, o jovem artista escocês, Kevin Harman constrói uma escultura através da recuperação de escombros. Sem licença, sem galeria, só pelo prazer de construir algo que não envolva dinheiro. Amanhã, os construtores removê-la-ão. “ Está a ficar bonita Kev ,” digo. Salto para o outro lado e começo a fazer o mesmo.
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Julian Gough, escritor, autor de Jude: Level 1
Prospect, revista inglesa
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