sexta-feira, julho 27

Os espasmos do moribundo



Artido de Opinião
de José Miguel Júdice

(Público de 27.07.2007)


O meu querido Francisco Lucas Pires disse um dia que em 11 de Março de 1975 uns aviões dispararam sobre um quartel e, em vez de prenderem os aviadores, nacionalizaram a banca. Foi desta ilogicidade tão típica da alma portuguesa que me lembrei a propósito da saga da sucessão de Marques Mendes a si mesmo. Vejamos então porquê. Nas eleições municipais de Lisboa, o PSD sofreu uma pesada derrota. Não foi só, nem tanto, ter perdido as eleições na principal autarquia portuguesa (dando a Sócrates a primeira possibilidade de festejar um sucesso em mais de dois anos), mas sobretudo o facto de seguramente a maior parte dos que votaram em Carmona o ter feito contra o PSD, sendo certo que muitos desses - conheço vários - são tradicionalmente votantes deste partido.Como resultado desta derrota clamorosa, Marques Mendes resolveu submeter-se a votos. Até aí, tudo bem. Acto lógico e preventivo, como a boa medicina profiláctica sugere. O que seria de esperar era que, pelo menos os sectores mais esclarecidos do PSD e os mais independentes dos seus quadros, aproveitassem a ocasião para dizer alto o que em pequenos grupos ou em voz baixa afirmam: Marques Mendes não tem a mais pequena hipótese de ganhar as eleições em 2009.Não foi assim. Convencidos de que seja quem for o seu líder, o PSD perderá as eleições legislativas; receosos de dar a vitória a Luís Filipe Meneses; incapazes de consensualizar o apoio a um nome em concreto; ou por outra qualquer razão (de que falaremos adiante), o certo é que Marques Mendes já encaixou uma grande vitória, tudo indica que ganhará as eleições no partido e sem dúvida que garantiu a sua presença na linha de partida para as legislativas, o que não era óbvio se... não tivesse perdido as eleições em Lisboa!Uma grande vitória: o cavaquismo - a uma voz, seguindo o sinal de Alexandre Relvas - decidiu dar-lhe apoio. O aparelho (e a certeza de que se não o apoiarem não serão escolhidos para as legislativas e para as autárquicas daqui a dois anos) vai dar-lhe a vitória em Setembro. Fresquinho da vitória, ninguém o desalojará, a não ser quando for derrotado por Sócrates, o que ele já sabia, mas se o primeiro--ministro se imolar pelo fogo, emigrar para Bruxelas, for apanhado a roubar velhinhos, chamar nomes ao Papa ou fizer algo do género, até pode vir a ganhar as eleições.De tudo isto, o mais curioso é o apoio do cavaquismo institucional, que, em minha opinião, se não baseia apenas nem sobretudo no medo da vitória de Meneses. É que esse receio só poderia basear-se na convicção de que o autarca de Gaia não ganharia a Sócrates, pois, se assim não fosse - se o receio fosse que ele ganhasse -, então é que o ilogicismo no PSD teria chegado a um grau quase perverso.Esse claro apoio a Mendes só tem uma justificação: Cavaco Silva não quer que José Socrates perca as eleições, ainda que lhe não desagrade que perca a maioria absoluta. O que se compreende: Cavaco Silva sabe que o país precisa de reformas; sabe que, se o PS falhar, nunca seria um PSD dividido e fragilizado, sem rei nem roque, sem rumo nem estratégia, que as faria; sabe que, se isso ocorresse, os portugueses se virariam para ele a pedir-lhe um governo presidencial.E Cavaco Silva sabe mais: convencido de que só ele pode garantir a estabilidade política - e pelo menos nesta conjuntura assim é -, está consciente de que, se Sócrates ganhar em 2009, as presidenciais de 2011 serão para si um passeio; mas se Sócrates as perder e o PSD voltasse ao poder, então cresceriam claramente as probabilidades de uma aliança de esquerda para as presidenciais que pudesse aspirar a uma vitória. E então, como resultado disso, as condições para reformas desapareceriam, pois, para ganhar em 2011, neste cenário de vitória do PSD, até o Presidente teria de virar à esquerda.Por isso, e só por isso, é que os cavaquistas - interpretando o pensamento presidencial ou ouvindo-o - se apressaram a apoiar Marques Mendes. Fizeram-no agora como o fariam daqui a um ano, se Marques Mendes não tivesse antecipado o calendário eleitoral. Nenhum deles pensa noutra coisa que não seja em preparar a sucessão do líder do PSD depois de este ser derrotado (sendo ou não trucidado) pelo primeiro-ministro. Todos querem agora um candidato fraco.Percebe-se, mas não pode deixar de se lamentar. A democracia exige alternância potencial e não que a oposição queira perder as eleições. O PSD nasceu como partido do "porque sim" e está transformado num partido do "porque não". Não é saudável que todos os "laranjinhas" com que me cruzo achem que Marques Mendes não serve, que Meneses é um perigoso populista a deter a todo o custo e que, apesar disso, se resignem a este estado de coisas. Ou talvez seja compreensível. O PSD está moribundo, e apenas vai fazendo - numa espécie de espasmos cadavéricos - movimentos que, de longe, parecem sinais de vida.

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