domingo, setembro 9

O Ser e as Coisas


Paulo Frederico F. Gonçalves

(Público de 09.09.2007)

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Por vezes, a vida parece dizer que é o reduto no qual o homem se evade da sua condição essencial: o sofrimento. Malraux leva-nos a pensar isso mesmo no romance magistral A Condição Humana, em que a História, não obstante toda a carga de tristezas, dor e infelicidade que traz consigo, se assume como espaço onde o homem se projecta numa constante fuga de si mesmo. Raciocínio similar, mas no sentido inverso no que concerne ao discurso narrativo, nos mostra Albert Camus, particularmente em A Queda, onde o homem que se olha verdadeiramente ao espelho e consegue, mesmo que fugazmente ou num riso fugidio ouvido nas margens do Sena, penetrar na sua essência logo descobre o nonsense do ser e da existência. Daí o existencialismo de Sartre a indagar o sentido de existir face à náusea do ser que se encontra com a própria essência (A Náusea). O caminho da verdade é difícil e penoso, mas só se concretiza com esse olhar sobre nós próprios, uma abordagem destituída de preconceitos (este último termo utilizado na verdadeira acepção da palavra) e de segundas intenções; ser essencial, desnudado de referências éticas, morais, ideológicas e de qualquer fenomenologia da existência. Nesse encontro, mesmo que aparentemente inócuo para o ser pensante, ou extremamente doloroso conforme os casos, se vão formular as grandes intenções da realidade, os sentidos da História, enquanto reflexo do ser do homem na constante procura - fuga de si mesmo. Fuga do sofrimento do ser para o sofrimento da História, que por sua vez é o reflexo das angústias do ser que se reconhece. Por isso a complexidade e, por conseguinte, a subjectividade não são questões de idiossincrasia particular, mas paradigmas para a compreensão das coisas que nos rodeiam. Mormente as que levam consigo a marca do ser humano.
Da rubrica "Cartas ao Director"

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