quinta-feira, setembro 13

Putin-Chávez, o mesmo combate


Carismáticos e autoritários, os presidentes russo e venezuelano têm muito em comum, a começar pela sua vontade de se opor a Washington
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Se a Rússia e a Venezuela se tornaram aliados políticos, nomeadamente na luta contra um “mundo unipolar”, esse facto é, em parte, devido à semelhança entre os seus presidentes, que usam o seu carisma e a sua popularidade para conduzir uma política de Estado forte nos seus respectivos países, no plano interno e, também, no plano das relações internacionais.
Existem muitas analogias entre a Venezuela e a Rússia, apesar das diferenças, do ponto de vista territorial e populacional. São dois dos maiores produtores e exportadores no mundo de hidrocarbonetos. A conjuntura favorável dos mercados mundiais, assegura-lhes elevados rendimentos, o que os conduz a uma cooperação estreita, no sentido da criação de uma política comum para este sector.

Ambos os presidentes pertencem à mesma geração, têm quase a mesma idade, (Putin, 55 anos e Chávez 53), para além de muitos pontos em comum. Ambos acederam ao poder por altura da mudança do século, um em Fevereiro de 1999, o outro no início do ano 2000. Relativamente jovens, enérgicos e dinâmicos, têm aprox., a mesma estatura e a mesma silhueta de tronco largo e curto. Os dois provêm de famílias desfavorecidas e seguiram a carreira militar: Chávez é um tenente-coronel da Armada e Putin um coronel do KGB. Ambos partilham o gosto pelo desporto: Chávez é apaixonado pelo baseball e Putin pelo judo e pelo ski.
Tanto um como o outro gostam de se expor e têm uma inclinação pela extravagância. Putin adora sair a bordo de um cruzeiro de onde assiste a treinos de tiro ao alvo, ou conduzir um tractor num campo. Chávez gosta de se perfilar nas paradas militares, vestido com uniforme de pára-quedista com béret a combinar, dando assim a entender a sua vontade férrea em enfrentar o inimigo e a sua determinação em vencê-lo. Os russos não esquecerão tão depressa as palavras de Putin quando afirmava que o poder iria “colocar os bandidos atrás das grades” ou quando convidou um jornalista francês numa conferência de imprensa a “vir a Moscovo circuncidar-se”. Nas vésperas do referendo de 1999, ao interpelar os seus opositores, Hugo Chávez exclamava: “eles grunhem como os porcos que são levados para o matadouro”.

Putin e Chávez são estadistas sem complexos. Hugo Chávez utilisa uma fórmula que traduz fielmente a especificidade da sua partilha de ideais em torno desta questão-chave: “ Tanto Estado quanto necessário, tanto mercado quanto possível”. Do ponto de vista formal, esta afirmação faz crer que o objectivo é a procura da harmonia entre Estado e mercado, mas, do ponto de vista substantivo, o que significa é fazer prevalecer o Estado sobre a iniciativa privada. Os dois presidentes têm tendência a considerar o Estado, não como um conjunto de instituições ao serviço da sociedade, dela dependendo, mas como uma criação autónoma, única fonte do exercício do poder. Os dois países são repúblicas federativas em que o âmbito dos poderes do presidente é muito alargado, apesar destes dois chefes de Estado considerarem estes poderes insuficientes para a realização dos seus projectos. Hugo Chávez chegou à presidência reclamando uma nova Constituição e a reorganização total do Estado. Em pouco tempo, mandou redigir uma nova Constituição que foi adoptada. Hoje, a Câmara alta do Parlamento, tendo-se tornado “inútil”, foi liquidada.

Putin começou por construir uma sólida “ vertical do poder”, dividindo a Rússia em sete distritos administrativos, elegendo os seus representantes através de nomeação directa. Seguidamente, procedeu à reorganização do Conselho Federativo, reduzindo pouco a pouco as prerrogativas das regiões em benefício do centro.
Tudo leva a crer que é intenção destes dois homens permanecer muito tempo no poder.
No espaço de menos de um ano após a eleição de Chávez para a presidência, em Dezembro de 1999, um referendo aprovava a nova Constituição que continha, além de outras, duas alterações de fundo: o presidente, no termo do seu anterior mandato presidencial, poderá candidatar-se a novo mandato, cujo prazo foi, entretanto, alargado de 5 para 6 anos. A sua intenção é claramente a de deter o poder por tempo indeterminado, tendo por base a seguinte teoria: “Penso que, se o povo assim o desejar, não deverá ser privado do direito de reeleger todo e qualquer compatriota pela terceira, quarta, quinta ou sexta vez, a fim de que ele possa dirigir o navio do Estado”, de acordo com declarações por si proferidas.

Na Rússia, cada vez mais vozes se levantam, com a afirmação de que o prazo previsto na Constituição é demasiadamente curto para pôr em prática o programa presidencial. A diferentes níveis, são lançados balões de ensaio, a fim de testar a opinião pública. Em declarações recentes, Vladimir Putin afirmou que seria bom que o mandato presidencial fosse alargado para cinco anos ou mesmo sete.
Por outro lado, e apoiando-se num decreto da Corte Constitucional, deu luz verde para que os poderes dos responsáveis das várias regiões fossem prorrogados.
Nos círculos dirigentes dos dois países, promove-se activamente a ideia de que os presidentes actuais são leaders de envergadura nacional cujos nomes estão associados às transformações radicais: assim sendo, estes homens deverão permanecer no topo da pirâmide do poder o maior tempo possível.

Na Rússia, a vitória da candidatura de Sotchi para a organização dos jogos olímpicos de Inverno de 2014, suscitou uma nova vaga de discussões no sentido da necessidade de manter Putin no poder. Foram muitos os políticos que declararam ser impossível imaginar outra pessoa no comando do Comité da organização dos JO – e muito menos ainda no comando do país. Também, se a Constituição russa proíbe a um chefe de Estado de se candidatar a um terceiro mandato sequencial, não o impedirá de o fazer num mandato posterior.
Os dois presidentes têm uma enorme tendência em nomear militares para postos dirigentes, incluindo os elegíveis, que passaram a abundar nas estruturas do poder. Putin lançou uma franca ofensiva contra os “oligarcas”, para tentar afastá-los do poder político e também do económico. Chávez intensifica as suas pressões sobre os capitais do mundo dos negócios. Na prática, os dois presidentes procedem à “desprivatização” do sector petrolífero. Mas, na Venezuela, ao contrário da Rússia, a nacionalização foi anunciada oficialmente.

"Dois países que se encontravam de joelhos, Dois países que se reerguem”

A visão de ambos em termos de segurança nacional é muito semelhante. A Rússia tornou pública a sua doutrina sobre a “segurança da informação”, destinada a acompanhar de perto os fluxos informativos. Medidas análogas foram adoptadas na Venezuela. Em teoria, subsiste a liberdade de expressão e a de imprensa, mas estão sujeitas a fortes pressões. Os dois países disponibilizam importantes meios para promover a sua imagem no estrangeiro, tendo criado, para o efeito, cadeias de televisão que emitem em línguas estrangeiras.
Os dois países concordam na necessidade de fomentar um mundo multipolar, adoptando uma política de contrabalanço ao poder e à influência dos Estados-Unidos no mundo.
Hugo Chávez não esconde a sua admiração pelo discurso de Putin em Munique, e partilha na íntegra, as suas posições sobre o Kosovo, assim como a sua rejeição na implantação, na Europa de Leste, dos escudos anti-míssil norte-americanos.
Vladimir Putin criticou veementemente, aquando do Fórum económico de São Petersburgo, em Junho último, a incapacidade do FMI e do Banco mundial em responder aos desafios do nosso tempo. Hugo Chávez, por seu lado, declarou, aquando da cimeira energética da América do Sul, realizada em Abril, que o seu país iria cortar os laços com estas organizações. Aquando da sua intervenção no fórum económico Rússia-Venezuela, que teve lugar em Moscovo, em Junho, Chávez sublinhou: “ Tanto a Venezuela para a América, como a Rússia para a Europa e a Ásia, são fontes de distribuição de gás e petróleo”. Outra das afirmações que aproxima os líderes destes dois países, foi a proferida pelo líder venezuelano: “ Trata-se de dois países que renascem. Encontravam-se de joelhos, a partir de agora reerguem-se.”

Emile Dabaguian,Vremia Novostieï


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