segunda-feira, julho 30

Um precedente perigoso

A festa do Chão da Lagoa na nossa muito estimada Ilha da Madeira, foi, desta vez, abrilhantada pela presença do secretário-geral do piessdê e animada pelo principal leitmotiv dos últimos tempos do maior partido da oposição, a liberdade de expressão, personificada pelo caso Charrua.
O Engº Sócrates não precisará de lições de governabilidade, mas, na minha opinião, abriu um precedente perigoso quando, indirectamente, terá aquiescido a que se procedesse ao arquivamento do referido processo. Esta decisão tomada pela Sra. Ministra da Educação, configurou um sinal de fraqueza por parte do governo, imediatamente aproveitado pelo PSD, que logo exigiu a demissão da Directora Regional e a recondução no cargo do Sr. Charrua.
Ipsis verbis, e num cenário em que, sempre que se confirmar, existirem atitudes injuriosas por parte de funcionários públicos, no exercício das suas funções, em relação a altos cargos do poder institucional, na opinião do PSD, deverão ser essas mesmas atitudes despenalizadas, e desobrigadas de qualquer sancionamento de ordem disciplinar.
Esta posição assumida por um partido político que joga no team da alternância do poder, servirá sobretudo a causa política, mas colocará sob suspeita a defesa dos valores de idoneidade, responsabilidade e coerência que deverão nortear os princípios fundamentais de qualquer partido que prossiga na senda do poder.
Em política, não deveria valer tudo, e o presente executivo que muito bem iniciou uma campanha de moralização, destinada à Região Autónoma da Madeira, supostamente orientada para a imperiosidade do cumprimento de uma gestão criteriosa, de aplicação cirúrgica, dos dinheiros públicos, não deveria sequer estar preocupado com a observância da lei da IVG naquele território autónomo, partilhando eu da opinião do Sr. Presidente da República, em que caberá aos madeirenses, que habitualmente elegem o seu presidente e respectivo governo, reclamar junto das instâncias judiciais competentes, a aplicação da referida Lei, se assim o entenderem.

sábado, julho 28

Oscar, um gato com poderes divinatórios

O Oscar é um gato com poderes divinatórios que foi adoptado pela equipa médica do Centro de Enfermagem e Reabilitação do Hospital de Rhode Island, na localidade de Providence.As capacidades deste felino de dois anos, ultrapassam as da própria equipa do centro de geriatria, especializada no tratamento das doenças dos idosos, uma vez que, em 25 ocasiões, ele avisou sobre a morte eminente dos doentes. Estes factos ocorrem quando, ao fazer a ronda pelos vários quartos dos respectivos pisos, ele permanece junto do doente que se encontra às vésperas da morte, insinuando-se carinhosamente e acompanhando-o até ao desfecho final.
(
O artigo completo aqui).
David M. Dosa, M.D., M.P.H.,
The New England Journal of Medicine

sexta-feira, julho 27

Os espasmos do moribundo



Artido de Opinião
de José Miguel Júdice

(Público de 27.07.2007)


O meu querido Francisco Lucas Pires disse um dia que em 11 de Março de 1975 uns aviões dispararam sobre um quartel e, em vez de prenderem os aviadores, nacionalizaram a banca. Foi desta ilogicidade tão típica da alma portuguesa que me lembrei a propósito da saga da sucessão de Marques Mendes a si mesmo. Vejamos então porquê. Nas eleições municipais de Lisboa, o PSD sofreu uma pesada derrota. Não foi só, nem tanto, ter perdido as eleições na principal autarquia portuguesa (dando a Sócrates a primeira possibilidade de festejar um sucesso em mais de dois anos), mas sobretudo o facto de seguramente a maior parte dos que votaram em Carmona o ter feito contra o PSD, sendo certo que muitos desses - conheço vários - são tradicionalmente votantes deste partido.Como resultado desta derrota clamorosa, Marques Mendes resolveu submeter-se a votos. Até aí, tudo bem. Acto lógico e preventivo, como a boa medicina profiláctica sugere. O que seria de esperar era que, pelo menos os sectores mais esclarecidos do PSD e os mais independentes dos seus quadros, aproveitassem a ocasião para dizer alto o que em pequenos grupos ou em voz baixa afirmam: Marques Mendes não tem a mais pequena hipótese de ganhar as eleições em 2009.Não foi assim. Convencidos de que seja quem for o seu líder, o PSD perderá as eleições legislativas; receosos de dar a vitória a Luís Filipe Meneses; incapazes de consensualizar o apoio a um nome em concreto; ou por outra qualquer razão (de que falaremos adiante), o certo é que Marques Mendes já encaixou uma grande vitória, tudo indica que ganhará as eleições no partido e sem dúvida que garantiu a sua presença na linha de partida para as legislativas, o que não era óbvio se... não tivesse perdido as eleições em Lisboa!Uma grande vitória: o cavaquismo - a uma voz, seguindo o sinal de Alexandre Relvas - decidiu dar-lhe apoio. O aparelho (e a certeza de que se não o apoiarem não serão escolhidos para as legislativas e para as autárquicas daqui a dois anos) vai dar-lhe a vitória em Setembro. Fresquinho da vitória, ninguém o desalojará, a não ser quando for derrotado por Sócrates, o que ele já sabia, mas se o primeiro--ministro se imolar pelo fogo, emigrar para Bruxelas, for apanhado a roubar velhinhos, chamar nomes ao Papa ou fizer algo do género, até pode vir a ganhar as eleições.De tudo isto, o mais curioso é o apoio do cavaquismo institucional, que, em minha opinião, se não baseia apenas nem sobretudo no medo da vitória de Meneses. É que esse receio só poderia basear-se na convicção de que o autarca de Gaia não ganharia a Sócrates, pois, se assim não fosse - se o receio fosse que ele ganhasse -, então é que o ilogicismo no PSD teria chegado a um grau quase perverso.Esse claro apoio a Mendes só tem uma justificação: Cavaco Silva não quer que José Socrates perca as eleições, ainda que lhe não desagrade que perca a maioria absoluta. O que se compreende: Cavaco Silva sabe que o país precisa de reformas; sabe que, se o PS falhar, nunca seria um PSD dividido e fragilizado, sem rei nem roque, sem rumo nem estratégia, que as faria; sabe que, se isso ocorresse, os portugueses se virariam para ele a pedir-lhe um governo presidencial.E Cavaco Silva sabe mais: convencido de que só ele pode garantir a estabilidade política - e pelo menos nesta conjuntura assim é -, está consciente de que, se Sócrates ganhar em 2009, as presidenciais de 2011 serão para si um passeio; mas se Sócrates as perder e o PSD voltasse ao poder, então cresceriam claramente as probabilidades de uma aliança de esquerda para as presidenciais que pudesse aspirar a uma vitória. E então, como resultado disso, as condições para reformas desapareceriam, pois, para ganhar em 2011, neste cenário de vitória do PSD, até o Presidente teria de virar à esquerda.Por isso, e só por isso, é que os cavaquistas - interpretando o pensamento presidencial ou ouvindo-o - se apressaram a apoiar Marques Mendes. Fizeram-no agora como o fariam daqui a um ano, se Marques Mendes não tivesse antecipado o calendário eleitoral. Nenhum deles pensa noutra coisa que não seja em preparar a sucessão do líder do PSD depois de este ser derrotado (sendo ou não trucidado) pelo primeiro-ministro. Todos querem agora um candidato fraco.Percebe-se, mas não pode deixar de se lamentar. A democracia exige alternância potencial e não que a oposição queira perder as eleições. O PSD nasceu como partido do "porque sim" e está transformado num partido do "porque não". Não é saudável que todos os "laranjinhas" com que me cruzo achem que Marques Mendes não serve, que Meneses é um perigoso populista a deter a todo o custo e que, apesar disso, se resignem a este estado de coisas. Ou talvez seja compreensível. O PSD está moribundo, e apenas vai fazendo - numa espécie de espasmos cadavéricos - movimentos que, de longe, parecem sinais de vida.

quinta-feira, julho 26

La balsa de Iberia

Em tom de provocação, o escritor José Saramago deu uma entrevista ao Diário de Notícias, em que anunciava, à guisa de profecia, a futura integração do nosso país político naquele que viria a ser um conglomerado de pequenos estados federados da península ibérica.
Nós sabemos que José Saramago sofre da síndrome do emigrante que nunca será completamente aceite pelo país que o acolheu, assim como, pelo seu país natal, quando regressa, por se terem perdido os laços de afectividade que a ele o ligavam , fruto da implacável passagem do tempo.
Acresce ainda o facto de se tratar de uma figura pública que gera controvérsia, em virtude de, em termos políticos, abraçar uma causa que, do ponto de vista ideológico, já não se apresenta como solução credível para os crescentes problemas sociais que emanam de um certo evoluir negativista incontinente da nossa civilização.
Aliás, uma boa parte da sua obra é o reflexo de um sentimento de abandono, de incompreensão e de desamor, transportado para as suas personagens, pelo acentuar do lado mais negativo, e também mais desgraçado, do ser humano, num processo de interacção entre o indivíduo, a sociedade e a entidade reguladora do poder político.
Sem pretender desmerecer a sua obra, até porque não sou crítica literária, sinto que se encontra subjacente às suas últimas manifestações de carácter, uma certa arrogância que tem andado de mão dada com o galardão das Letras que lhe foi atribuído pela Academia Sueca, em 1998, nomeadamente o Prémio Nobel da Literatura.
Portugal tem excelentes escritores, e cito, por exemplo, Agustina Bessa-Luís, todos eles potenciais candidatos à atribuição daquele galardão, não fossem os critérios que presidem à respectiva selecção, de algum modo, bastante discutíveis.
De Espanha, muitas foram as reacções às declarações de José Saramago, na imprensa escrita, das quais apenas cito uma. A discordância quanto a uma possível integração é generalizada; não pretenderão naturalmente, os espanhóis, enfrentar a versão lusa de uma segunda ETA, a destruir-lhes as casas e as respectivas famílias.

terça-feira, julho 24

Demagogia q.b.


Passados que estão dois anos sobre as pretensas políticas neo-liberais de Santana Lopes, o PSD vê-se, de novo, confrontado com o “remake” da sua história do passado recente, na figura de Luís Filipe Menezes, candidato à liderança deste partido, nas próximas eleições directas, com data prevista para Setembro.
A tónica predominante da campanha de LFM fará regressar aos canais de informação o populismo mais deslavado a que alguma vez já assistimos, e conta com os conhecidos temas fracturantes, actualmente, em cima da mesa, ornamentados com a pátina laranja que corresponde à visão distorcida dos factos, como convém à táctica populista para angariação de votos: a perseguição aos funcionários públicos, o encerramento de escolas e centros de saúde, a flexi-segurança, a taxa de desemprego e o crescimento económico abaixo da média europeia. LFM tem a solução para todos estes problemas! Lamentável é o facto de o seu partido não a ter posto em prática enquanto esteve no governo, nem ter providenciado a reforma da administração pública que agora tanto reclama, e diz ser um dos focos principais da linha programática do seu partido, um partido genuinamente reformista. Acaso ainda não se tenha decidido por vender a alma ao diabo, e, numa altura em que a orientação da política económica europeia passa por um controlo mais restritivo do âmbito da aplicação do Welfare State, muito provavelmente, LFM estará disposto a seguir as pegadas de Nicolas Sarkozy, começando por impugnar o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento que, apesar de, em condições bastante adversas, o actual governo tem vindo a observar.
A tal política do paliativo, que não servindo para curar, tem a grande vantagem em fazer adiar a morte, permitindo-nos respirar de alívio, enquanto ela tarda em anunciar-se.
É possível que LFM venha a ganhar as eleições, a alternativa é inócua e o tão propalado pluralismo ideológico, apanágio do seu partido, em vez de congregar, desagrega, pois, independentemente das circunstâncias, não se afigura possível debaterem-se ideias e argumentos de barriga vazia.


segunda-feira, julho 16

Balanço da noite eleitoral


O resultado da passada noite eleitoral não nos trouxe nenhum facto relevante, para além do que já se previa que fossem os resultados da votação dos vários candidatos e as costumeiras reacções dos líderes partidários, ao respectivo escrutínio.
O índice da abstenção é bastante preocupante, ou, pelo menos, deveria ser, sobretudo para os chamados agentes da política, que já se preparam para contornar essa questão, através da criação de um sistema eleitoral alternativo, baseado na reformulação dos critérios da representação parlamentar. Enfim, o recurso a uma engenharia do voto, facilmente manipulável ao nível da “secretaria”.
Os cidadãos informados que se habituaram a exercer o seu direito de voto em cada eleição, chegaram à conclusão que já nada têm a ver com os actuais políticos, com a política por eles praticada, com as estruturas partidárias que eles representam. A falta de renovação dos partidos, a ausência do debate de ideias entre as várias correntes ideológicas, as fórmulas adoptadas pelas direcções partidárias para fazer oposição, privilegiando o ataque pessoal, o assédio à vida privada de quem se pretende “abater”, a defesa de causas avulsas destinadas a dispersar atenções, levam os cidadãos a afastarem-se progressivamente da política activa.
Contrariamente ao que foi afirmado na noite eleitoral para o município lisboeta, não foi o actual elenco de actores residentes do Palácio de S. Bento que seguiu penalizado pela falta de participação dos cidadãos. A esses, só lhes foi dado um aviso; perderam a maioria, mas ainda permanece o estado de graça. Os partidos visados foram o PSD e o CDS que, como as avestruzes, continuam obsecados em manter a cabeça na areia.

sexta-feira, julho 13

Exercer a advocacia pro bono


Penso que face aos últimos acontecimentos que têm vindo a lume sobre os interesses pessoais que se escondem por detrás dos apoios presenciais de alguns dos mandatários de candidaturas, José Miguel Júdice (JMJ) é a última pessoa com legitimidade para poder tecer quaisquer críticas a Paulo Portas, sobre lisura de procedimentos.
A ideia que paira à volta do grau da influência que pode ser exercida pelos chamados opinion makers, junto de determinadas faixas do eleitorado, sempre que há eleições ou que vem à baila escrutinar alguém ou alguma instituição que ousa desafiar o laisser faire, laisser passer das boas práticas portuguesas, começa a não passar de um flop, em que os que assim pensam teimam em não querer acreditar que os tempos mudaram e que a cotação desse metal precioso tem vindo a depreciar a par da evolução da sociedade.
A candidatura de António Costa demonstrou desde o início um grande empenho em sair vitoriosa das próximas eleições autárquicas para o Município de Lisboa. Desde a escolha do candidato ao convite de figuras mediáticas oriundas de um leque das mais variadas sensibilidades políticas, incluindo o pré-lançamento de um ideário definido que promete colocar a cidade a funcionar, a candidatura afecta ao governo é uma candidatura determinada a seguir em frente com a realização de um projecto viável, porquanto dinamizador e, ao mesmo tempo, apostado no saneamento de um défice acumulado, gerado pelas anteriores má gestões.
No entanto, os cidadãos que têm vindo a eleger os nossos políticos, têm vindo igualmente a adquirir uma maturidade política direccionada num sentido de voto baseado em seriedade, transparência e firme propósito quanto à exigência no cumprimento dos programas apresentados.
José Miguel Júdice que, como se sabe, é um dos mandatários da candidatura de António Costa, é também um empresário, sócio de uma sociedade de advogados, à semelhança de outros causídicos igualmente ilustres da nossa praça, que decidiram relegar o exercício do Direito puro para a alçada dos advogados estagiários - autênticos moços de recados dos seus patronos -, passando a dedicar-se à intermediação de negócios de âmbito internacional ou nacional que impliquem avultadas somas de capital. Actualmente, e, sendo o Estado português um cliente disputadíssimo pela sua ligação às instituições internacionais e aos centros de decisão da União Europeia, estes referidos causídicos permanecem estacionados em redor do espaço onde se encontra o centro nevrálgico associado ao poder e à circulação dos capitais.
Não esqueçamos que JMJ foi alvo de um processo disciplinar, inédito na história da Ordem dos Advogados, arriscando a sua expulsão, por ter proferido declarações numa entrevista dada ao Jornal de Negócios, em que apontava para um estatuto de privilégio em relação a três sociedades de advogados, a dele incluída, em que, segundo ele, “O Estado devia ter de consultar sempre as três maiores firmas”. Portanto, alguém que assim pensa, dificilmente manifestará uma atitude altruística de desprendimento em relação a interesses materiais que possa vir a deter, ao preferir enveredar pelo exercício de uma advocacia pro bono.


terça-feira, julho 10

Uma óptima jogada de antecipação

Ou eu muito me engano, ou são os apoiantes da Dra. Maria José Nogueira Pinto (MJNP) que vão assegurar a maioria absoluta a António Costa, nas próximas eleições autárquicas de Domingo.
O projecto de Revitalização da Baixa-Chiado sob “tutela” de MJNP surge aquando da negociação do acordo de coligação do seu partido de então com o PSD. No entanto, e, ao que consta, as divergências que posteriormente passaram a subsistir entre ela e a presidente da Assembleia Municipal, Paula Teixeira da Cruz, eram muitas, tendo mesmo ultrapassado o âmbito dos Paços do Concelho para se evidenciar na esfera do espaço público. No entanto, e apesar do clima de divergências internas adstritas aos dois partidos, o que precipitou a ruptura da coligação foi a escolha do gestor para a Sociedade de Reabilitação Urbana da Baixa-Chiado que acabou por não ser consensual entre as duas partes. A partir daí, e com a maioria do executivo camarário “desactivada”, assistiu-se a um sucedâneo de episódios insólitos que acabaram por culminar com a queda do referido executivo.
MJNP é uma profissional muito competente, com provas dadas por todos os sítios por onde tem passado, desde a Maternidade Alfredo da Costa à Santa Casa da Misericórdia, e não admira, por isso, que tenha sido convidada por António Costa, num eventual cenário de vitória nas eleições, a prosseguir com a dinamização do projecto que envolve a reconstrução do centro histórico da cidade de Lisboa.
Naquela que poderia vir a ser uma óptima jogada de antecipação por parte de Paulo Portas, sob pena deste ter que passar pela situação incómoda de não ver eleito o seu candidato, seria de toda a conveniência unir esforços com o candidato socialista, no sentido de ainda poderem viabilizar uma coligação entre estas duas forças partidárias, o que resultaria benéfico para ambos os partidos, sobretudo para António Costa que veria concretizado na prática o seu desejo de vir a trabalhar sob os auspícios de uma confortável maioria.

segunda-feira, julho 9

Sete candidatos a um osso


A candidata à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, Helena Roseta, com aquele ar de candura que lhe é conhecido, prepara-se para passar uma valente rasteira ao candidato socialista, até aqui à frente nas sondagens, indo aliar-se ao PSD e ao candidato independente Carmona Rodrigues, de acordo com as informações que nos acabam de chegar ao conhecimento, através da imprensa.
Já há algum tempo que a Sra. Arquitecta tem vindo a manifestar publicamente o seu descontentamento em relação à linha programática da actual direcção do PS, e tudo tem feito para chamar a atenção da opinião pública, no sentido de esta se virar a favor de uma corrente de pensamento que tem vindo a dar corpo a movimentos independentes (?) de cidadania e clubes de reflexão cujo único objectivo é a contestação e a oposição ao governo, embora palavras como “reinventar a democracia”, “activismo cívico” e “democracia representativa” façam parte do seu vocabulário.
É fácil, a partir das conhecidas fragilidades dos cidadãos, reconstruir uma imagem em que lhes é dada a solução para todos os seus problemas, por via da erudição reflexiva e eloquência dos doutos pensadores que integram aqueles ditos movimentos de cidadania. Difícil é, fazer com que na prática essas reflexões dêem frutos, e assinem um compromisso de honra com os cidadãos, que lhes garanta a satisfação das suas necessidades básicas, de modo a poderem viver com dignidade: o pleno emprego, a auto-estima e a devolução do seu estatuto de cidadão livre perante o Estado e a sociedade, membro de uma classe social diferenciada, sujeito não só de direitos e deveres, mas também sujeito criador desses mesmos direitos.
Helena Roseta ao ser levada por um impulso de vingança pessoal, não só estará a obstruir a aplicação de um bom programa de saneamento e gestão numa das câmaras mais importantes do nosso país, como estará a deixar cair por terra todos os seus princípios libertários de cidadã independente de quaisquer organizações politico-partidárias.

quinta-feira, julho 5

Mísia outra vez

Théâtre des Bouffes du Nord "Lisboarium" - Paris (2007)
© Davy Blanc


Pese embora ao meu amigo Armando Silva Carvalho, gosto muito da Mísia, quer no plano humano, quer no plano profissional. Descobri-a relativamente tarde, num espectáculo a que assisti em Paris, e em que a fui ver ao camarim para lhe dizer pessoalmente quanto tinha gostado. Ao regressar a Portugal, desenvolvemos uma amizade importante para mim, até que a Mísia decidiu, suponho que com alguma razão, que o país a não reconhecia suficientemente, e que era a vez de ela passar a viver em Paris. Da última vez que lá fui verifiquei por um lado que, desde cartazes no Metro a pilhas enormes dos seus discos na FNAC e noutros locais, a sua projecção internacional era um facto. Numa das suas vindas a Lisboa, fiquei a dever-lhe um jantar com Fanny Ardant (o que não é dívida que se pague com facilidade). Quando estive em Paris, andei por alguns dos seus lugares-fétiche, como a livraria Les Cahiers de Colette, que eu já conhecia por morar no Marais e ficar praticamente no prolongamento da minha rua, mas também o restaurante Le Bouldogue, onde ela é acolhida, estimada e mimada.O que gosto na Mísia como fadista tem a ver com o modo como ela retoma a tradição (cantando sempre de forma admirável a belíssima Lágrima, de Amália Rodrigues), mas também pela maneira exigentíssima como vai procurar novas letras para os seus fados, recorrendo para isso aos melhores escritores portugueses, de Agustina Bessa Luís a José Saramago, e em dada altura, num excelente disco a partir de Carlos Paredes, solicitando o apoio do poeta Vasco Graça Moura (que escreveu alguns fados absolutamente extraordinários). Que isso lhe tenha dado a aura de "intelectual" (e como se sabe há sempre uns vesgos para quem ser inteligente é sinónimo de patologia grave) é algo secundário, mas que de certo modo a marcou, porque as pessoas são sempre mais vulneráveis do que parecem.
A Mísia tem neste momento um livro publicado em Portugal: trata-se de uma sequência de entrevistas feitas em França, com um jornalista parisiense, Hervé Pons, que, na sessão de lançamento no São Luiz, se mostrou de uma admiração ilimitada por ela. Este livro acaba de ser lançado em Portugal pela ASA Editores, numa subsecção intitulada Oceanos. E nele Mísia desenvolve com grande pormenor (mas, como ela própria nos diz, nunca se pode dizer tudo: e o que é o "tudo" que define uma pessoa?) inúmeros aspectos de uma vida difícil, com um pai bastante ausente, com um início de vida como stripper (documentado nas fotografias que acompanham o volume), com uma forte relação com a Espanha pelo lado da mãe, com uma vida em Portugal em que nunca sente que encontrou o seu lugar, com uma tentativa de suicídio, que seria, como nos explica, uma procura definitiva de encontrar um lugar, e com uma ida para Paris em termos que, sem abandonar o seu passado de fadista, abrem para outros horizontes, de que a actual experiência que realizou no São Carlos com "Maria de Buenos Aires" é apenas um exemplo. Mísia, que escreve extremamente bem, propõe-se mesmo escrever um livro "sobre a minha mãe, a minha avó e eu, as três gerações que trabalharam no cabaré El Molino". Resta dizer que o livro é de grande interesse e que se lê com o maior prazer.
Eduardo Prado Coelho
(Público de 05.07.2007)

terça-feira, julho 3

A arte como destino do ser


Uma crítica muito pertinente feita por Pedro Delgado do Boina Frígia, a um artigo publicado no Diário de Notícias, no passado Domingo, da autoria do sociólogo Alberto Gonçalves, com o sub-título "Coleccionar Latas".
Transcrevo seguidamente um ensaio de Pedro Maciel, poeta, ensaísta e jornalista brasileiro, sobre "a arte como destino do ser", que se permite contrariar toda a visão redutora da criação artística.

"Joseph Beuys (1921-1986) foi o único artista que estruturou o seu projeto contra a obra de Duchamp. A “banheira” de Beuys rima visualmente e ironicamente com o “urinol” de Duchamp. Para Duchamp, o mais comum e banal dos objetos se tornam sagrados a partir da “minha decisão de colocá-lo num museu”. É o auge da “anti-arte”. Para Beuys, “toda pessoa é um artista”. A experiência pessoal é o único caminho capaz de nortear a criação.
Quem é habilitado a criar? Segundo Duchamp, “aquele que inventa um signo: portanto eu sou o único ou o maior ou o último artista”. Beuys responde que todos “aqueles que conhecem a linguagem do mundo, ou seja, você e eu estamos habilitados a criar”.
Beuys, um dos artistas modernos mais controvertidos nos anos 70 e início de 80, conhecido como perfomático, místico, guia, xamã, criou uma obra semeada de obstáculos, realizada sob vaias, assobios do público e incompreensão da crítica, mas ele suporta com a impavidez daqueles que detêm a força. Suas “ações” ganham o sentido de verdadeiros rituais, que mostram Beuys em um estado de concentração e de intensidade cuja força comunicativa, freqüentemente qualificada de fascinação, é atestada por todos os presentes.
Os desenhos, esculturas, “ações” e preocupações de Beuys representam em grande parte os animais que ele tanto amou. Segundo Alain Borer, “há um bestiário beuysiano: o veado, o chacal, a cegonha, o cisne, o gamo, o alce, insetos, o lobo americano e a lebre européia, pássaros marinhos, o urso, os peixes, a rena, o bezerro e muitas outras espécies indiscerníveis, compreendendo toda a criação. Como os minerais e vegetais, os animais detêm forças elementares vitais. Beuys está não apenas empenhando em aprender com estes sobreviventes da civilização, adquirindo aquilo de que as pessoas estão destituídas – um instinto certeiro, um senso de orientação – mas, ao expor a sua animalidade (roupa de pele, capa de feltro, chapéu de feltro), ele desenvolve os seus projetos junto com eles, na sua presença (a lebre morta, o cavalo branco), ou com os seus corpos (gordura de animais, desenhos feitos com sangue)”.
A trajetória do artista, narrada no livro Joseph Beuys, de Alain Borer (Ed. Cosac & Naify), pode ser entendida a partir da obra Sled de 1969. Sled (trenó), feito de madeira com deslizadores de metal, nos quais havia sido amarrado um cobertor de feltro dobrado, uma lanterna e um pedaço de gordura de vela modelado em forma de lâmpada. É um kit de sobrevivência. Esta obra explica o famoso incidente da vida dele. Na Segunda Guerra, Beuys, então com 22 anos, era piloto de um Stuka, quando foi abatido pelos russos nas florestas da Criméia. Durante alguns dias Beuys ficou inconsciente. Foi salvo pelos nômades tártaros que o trataram com remédios feitos de ervas e esfregaram-lhe gordura de animal no corpo, e usaram o feltro para mantê-lo aquecido. Este acidente mudou a sua vida e o feltro e a gordura se tornaram materiais de grande parte de sua obra. Sled, uma peça estranha, é a metáfora da busca e sobrevivência dos tempos que Beuys passou no deserto russo.
No vídeo Transformer, Beuys fala sobre a experiência da guerra: “O começo de uma nova vida foi o aspecto positivo dessa experiência. Foi um processo terapêutico, a primeira vez que me dei conta de que o artista pode desempenhar um papel importante na cura de um trauma social. Relacionei o que eu tinha vivido com o caos, que identifiquei como um movimento aberto à ordem da forma. Foi assim que nasceram minhas esculturas”.
Para Beuys, as mudanças na estrutura social e política do mundo aconteceria somente a partir da arte. A história pessoal do artista transforma arte em política e política em arte. Beuys defende que “somente a arte, isto é, a arte concebida ao mesmo tempo como autodeterminação criativa e como processo que gera a criação, é capaz de nos libertar e de nos conduzir rumo a uma sociedade alternativa”.
Toda a obra de Beuys é regida pelo sentido político, social, ecológico e metafísico. Nos anos 70, o artista tornou-se professor de Escultura Monumental da Academia de Artes de Düsseldorf (Alemanha), para onde levou todos os alunos afastados pela instituição. Em favor de uma universidade livre, ocupou juntamente com 54 estudantes, a secretaria da escola, o que resultou em sua expulsão. Essa ação transformou Beuys em um mártir da causa artística.
Militante da liberdade e da criatividade, o artista fundou a Organização pela Democracia Direta. Em 1982, o artista adere ativamente ao programa e à campanha eleitoral dos Verdes. Por meio de suas ações e de sua atividade como professor, tornou-se o grande artista da Alemanha, representando o país oficialmente nas Bienais de Veneza e de São Paulo.
Beuys é conhecido principalmente como autor de várias “ações” artísticas, com o propósito de ressaltar a quarta dimensão da escultura: “aquela na qual as atitudes ganham forma, e os comportamentos, conteúdos”. Em 1962, o artista adere ao movimento “Fluxus” que procurava, por meio de suas performances explorar o efêmero, o transitório, e ainda manifestar a energia vital coletiva. “Fluxus” tem como lema a sentença de Heráclito: “Toda a existência passa pelo fluxo da criação e da destruição”.
Pode-se dizer que Beuys, um dos mais originais e influentes artistas do século XX, reconhecido em seu tempo como "pastor" ou "guia", trouxe a arte para a vida. Recusou a beleza como meta em si e como meio. Todo o seu trabalho orienta-se em busca da idéia da verdade. Segundo Heidegger, “é somente quando o homem enquanto 'pastor do ser' espera a verdade que ele pode esperar uma mudança do destino do ser”."

segunda-feira, julho 2

Moralizar a política



A campanha no sentido da instrumentalização da opinião pública contra as práticas de gestão deste governo, está a ser exercida em várias frentes. Chego à conclusão de que o caso é mais grave do que se possa pensar. Sectores como o da comunicação social - que se pretende seja imparcial e se limite a veicular a notícia sem dela fazer uso próprio - e instituições públicas sob tutela do poder central, tudo têm feito para desmerecer a política e os políticos, tendo agora optado pela “deslocalização” dos confrontos de bastidores para a praça pública. Inclusivamente, aqueles que eu me permito designar de livre-pensadores, tecnicamente referenciados como “opinion makers”, arautos de uma moralidade que se metamorfoseia segundo as conveniências, decidiram secundar os pontos de vista de uma oposição unida em visível celeuma, pela defesa da soberania de direitos constitucionais que, na sua óptica, passam à frente de outros direitos fundamentais, também inscritos na Constituição, que se prende com o direito que tem o cidadão de poder subsistir condignamente dentro do seu próprio país.
Faz todo o sentido a tomada de posição do governo convergindo com a necessidade que se afigura premente em moralizar a política, através da aplicação de medidas punitivas contra os pólos que projectam a instabilidade dentro do próprio aparelho da administração pública. Como diz Marques Mendes, “o Estado é de todos”. No entanto, o corpo de funcionários representativo desta instituição pública de poderes autónomos, rege-se por directivas que emanam do poder central, e, por conseguinte, deverá pautar-se por normas rígidas de conduta e não fazer das repartições públicas a extensão da sua casa ou a sede dos trabalhos da Comissão Política de uma qualquer secção partidária afecta à oposição.